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'Acabou tudo. Não sobrou ninguém', diz sobrevivente em Brumadinho

No dia seguinte à tragédia, familiares e amigos acompanham buscas por desaparecidos; em Brumadinho, clima é de medo e confusão

Por Pablo Pereira
Atualização:

BRUMADINHO (MG) - “Agora acabou tudo”, afirmou Antonio Francisco de Assis Nunes, de 63 anos, produtor rural da região do Parque das Cachoeiras, na periferia de Brumadinho, uma área que foi devastada pela lama da barragem que se rompeu nesta sexta-feira, 25, no município. Chorando e lamentando o estrago nas lavouras, ele contou que naquela área viviam cerca de 20 famílias: “Não sobrou ninguém”.

Um helicóptero sobrevoa a cidade de Brumadinho, buscando vítimas após o rompimento da barragem Foto: Wilton Junior/Estadão

Conhecido como Tonico da Horta, ele acompanhou o drama mais pesado bem de perto. A menos de cinco metros, remexendo a lama que invadiu o barracão sem paredes, um grupo de bombeiros se preparava para resgatar um corpo feminino da borda. “Olha isso, deve ser gente que veio arrastada.”

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A lama mole devastou a baixada usada para plantio de frutas e legumes e avançou sobre o galpão de selecionar a produção agrícola, destruindo tudo e entrando pelo prédio. Tonico da Horta nem viu quando o corpo foi colocado dentro de uma caixa de plástico, envolto num saco preto, e retirado de helicóptero pelos Bombeiros. Era o resgate de mais uma das dezenas de vítimas ainda desconhecidas.

“Uns 300 metros daqui, já localizamos outros quatro corpos”, afirmou o socorrista que vasculhava, numa equipe de quatro bombeiros, as bordas da lama e ia marcando os pontos de cadáveres. Logo adiante, um outro helicóptero acabara de içar outra vítima. 

“Estamos neste local há umas duas horas e já localizamos quatro pessoas”, afirmou o bombeiro. Eram 16 horas. Pouco antes de uma forte chuva que despertou temor na região, pelo menos mais dois cadáveres tinham as coordenadas definidas para recolhimento.

A devastação provocada pelo rompimento da barragem foi acompanhada de perto também pelo morador João Moreira do Carmo, de 63 anos. “Eu vi a lama descendo”, contou. “Ela desceu arrastando tudo.”

Auxiliar técnico de manutenção da Vale, Wilson Pereira de Souza estava com a família em um clube, a cerca de 800 metros do local do rompimento, na hora do acidente. “Subiu um poeirão lá”, disse. “Isso não é normal”, imaginou, ao correr com a filha procurando um local mais alto. “Eu sabia que aquilo estava errado.”

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Medo

O clima em Brumadinho, durante todo o dia, foi de medo e confusão. No fim da manhã, bombeiros pediram que quem estivesse na área do acidente deixasse o local porque a outra barragem seria drenada.

A notícia se espalhou na região e moradores começaram a temer um eventual novo rompimento. “Isso não é verdade, é fake news”, afirmou o tenente-coronel Flávio Godinho, da Defesa Civil, por volta de 13 horas. Em seguida, o coronel Almeida, do comando dos Bombeiros, explicou que o trabalho era feito por funcionários da Vale: “É para evitar pressão no terreno”. 

“A gente não tem informação nenhuma, mas tenho fé que vamos encontrá-lo”, disse Camila de Amorim, de 20 anos, namorada de Everton Guilherme Ferreira Gomes, um dos desaparecidos. Segundo ela, a tragédia aconteceu no primeiro dia de trabalho de Gomes em Brumadinho. “Ele estava muito empolgado, ansioso”, disse. “Quando soube do que aconteceu, liguei para ele, mandei mensagem... No começo, pensei que era um problema de sinal.”

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Funcionários da Vale passaram a tarde procurando colegas nos pontos de informações e resgate da operação montada pelos órgãos de segurança e Defesa Civil. A empresa oferece acomodação em hotéis e apoio psicológico em um centro improvisado, ao lado de uma UPA.

Ainda assim, o dia foi de perplexidade e dúvidas. “Tem vários conhecidos e amigos nossos entre os desaparecidos”, contou Wilson Pereira de Souza, conversando na porta do hospital. “Você viu, está lá o Weberth, o Alano, a Angelita...” Nas redes sociais, amigos publicaram telefones dos desaparecidos na tentativa de localização. Muitos, em vão.

Sem primo e sem casa. E pode piorar

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“Tive de sair de casa porque existe o risco de que mais rejeitos desçam pelo Rio Paraopeba. Estou agora na casa da minha avó e, desde sábado, atrás de informação sobre o meu primo, o Ramon Jr. Pinto, que tem 26 anos, trabalha na Vale e está desaparecido. Hoje (sábado) é aniversário de 5 anos da filha dele, estava tudo pronto para a festinha. E a situação ainda pode piorar. Os rejeitos formaram uma barragem que está segurando o material, mas ela pode romper e, se chover, pode ser pior. É muito triste. A polícia passou durante a madrugada com ônibus e alto-falantes pedindo para as pessoas saírem de casa (em razão dos riscos), mas muita gente não quer sair.” / DEPOIMENTO A RENATA BATISTA, ENVIADA ESPECIAL A BRUMADINHO

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