A verdade sobre as árvores

'A discussão na COP indicou que a humanidade valoriza pouco as florestas e muito as plantações de árvores'

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Por Bernd Heinrich
Atualização:

A Conferência do Clima, em Copenhague, não realizou o esperado. Não foi falta de boas intenções, mas ela gerou mais conflitos do que soluções. E o resultado foi um acordo frágil que vai provocar desacordos no futuro.

 

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As florestas fizeram parte dos debates e várias coisas foram compreendidas: o CO2 é um poluente letal provocando alterações globais no clima, os combustíveis fósseis são um problema, os biocombustíveis são parte da solução. Mas como reduzir o uso dos combustíveis fósseis e passar para fontes derivadas das plantas? Esse é o problema.

 

Os biocombustíveis são o uso indireto da energia solar incorporada nas plantas pela melhor tecnologia de painéis solares que já foi criada. Isso é muito mais fácil para desenvolver uma energia verde do que criar usinas nucleares, barragens hidrelétricas e instalar turbinas eólicas nos topos das montanhas. Porém os planos atuais para mudarmos para uma energia verde – centralizada nos sistemas de comércio de emissões de carbono (o chamado cap and trade) – estão equivocados em algumas aplicações.

 

Contrariamente ao que se pode ouvir das empresas de energia, esse comércio de carbono não significa que, por mágica, as emissões desaparecerão. Pior, depender disso para refrearmos o aquecimento global pode devastar nossos ecossistemas florestais vitais. Em escala industrial, esse comércio do carbono trabalha da seguinte forma: são estabelecidos limites para as emissões de CO2 de modo que os reais custos do nosso uso de energia não são passados para nossos descendentes ou pessoas em algum país distante.

 

Como um incentivo para ajudar o planeta, as emissões de carbono produzidas por uma empresa abaixo do limite estipulado podem gerar um comércio, ou seja, o volume economizado pode ser negociado, como compensação, para um outro agente poluidor que poderia ir além do limite por um volume equivalente. Embora os créditos de carbono possam ser gerados mudando-se para uma tecnologia mais limpa ou fontes não poluidoras em produção de energia, eles podem ser ganhos por meio de medidas não relacionadas, como plantar árvores.

 

Se queimo carvão na minha empresa, posso plantar pinheiros no Chile e ter compensação, o que vai me permitir queimar mais carvão. Isso pode parecer lógico, e as empresas de energia gostariam que você acreditasse que funciona. Mas na verdade é terrível para o planeta.

 

Parte do problema está no não entendimento sobre como florestas e carbono se relacionam. As árvores costumam ser qualificadas como “um sorvedouro de carbono” – o que significa que elas absorvem o carbono da atmosfera por toda a eternidade. Não é verdade. O carbono absorvido por elas quando estão vivas é liberado ao morrerem, seja por causas naturais ou pela mão do homem. A única verdadeira solução para atingir esse “equilíbrio de carbono” é deixar o CO2 fóssil onde ele está, no subterrâneo.

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Além disso, plantar mais árvores certamente não é a mesma coisa que salvar nossas florestas. Em vez disso, plantar árvores invariavelmente significa usá-las como uma plantação sustentável, o que leva não só a um ciclo contínuo de liberação de carbono, mas também a uma destruição crescente do nosso ambiente natural. Alguns grupos ambientalistas em Copenhague foram considerados inoportunos pelo fato de sublinharem que as propostas de comércio de carbono discutidas nas reuniões subsidiam a destruição da floresta e levarão a uma destruição em larga escala dos ecossistemas e uma expropriação de terras sem precedentes.

 

Essas alegações estão corretas. O comércio de carbono permitirá aos países ricos queimarem cada vez mais combustíveis fósseis com base no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto, sistema que determina os valores, em toneladas de CO2 equivalentes, dos esforços para redução das emissões. De fato, muitos dos problemas desse sistema têm sua origem no Protocolo de Kyoto, adotado em 1997. Depois de muita desavença política, os delegados em Kyoto decidiram que não haveria créditos de redução de carbono pelo fato de se salvar florestas existentes.

 

E como plantar novas árvores não propicia nenhum crédito de carbono, Kyoto na realidade criou uma base lógica para crescimento baseado no desmatamento. Isso é terrível. As florestas do mundo são a chave da nossa sobrevivência e a de milhões de outras espécies. Elas não só nos fornecem material de construção, papel, alimento, recreação e oxigênio, como também nos conecta com nosso passado primitivo.

 

Nunca antes na história da Terra nossas florestas estiveram sob tamanho ataque. E as pessoas que discutiram o aquecimento global em Copenhague parecem inconscientes, aceitando a visão corporativista da floresta como um recurso a ser explorado. Uma floresta é um ecossistema. Não é algo plantado. Uma floresta cresce sozinha. Existem muitos tipos de floresta que se desenvolverão praticamente em qualquer lugar, cada um segundo suas próprias condições locais.

 

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Quando uma árvore tomba, a corrida deve ser substitui-la imediatamente. Nas florestas que estudo, existem tantas sementes e mudas de plantas que, se num espaço de metro quadrado de terreno estiver aberto, mais de uma centena de árvores de espécies diferentes competem para se desenvolver ali.

 

Assim, se você deseja plantar uma espécie específica de árvore para obter madeira ou para esse comércio de carbono, terá de aplicar um herbicida (baseado no petróleo) repetidamente durante todo o seu tempo de vida. Se você espera lucrar, plantará uma árvore transgênica para crescer rapidamente e resistir a doenças.

Esse é o caminho para a domesticação de uma planta que necessita ser sempre tratada com fertilizantes, herbicidas, pesticidas e fungicidas. E não é coincidência, haverá um mercado para suas sementes e todos os produtos químicos necessários para tratar a plantação.

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No final, o que originalmente deveria ser um mecanismo para desacelerar o aquecimento global criou enorme pressão econômica em prol do “ecocídio”. E não haverá objeções de “ambientalistas”, que amam o plantio de árvores porque isso soa “tão verde”.

 

Para preservar algo, primeiro é necessário avaliá-lo e a maneira mais efetiva de fazer isso é ter um uso prático para ele. Se a discussão em Copenhague indicou alguma coisa é que a humanidade valoriza pouco as florestas e muito as plantações de árvores.

 

* Bernd Heinrich é professor emérito na Universidade de Vermont

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