A moda, de vilã para heroína da causa ESG

Marcas podem assumir papel de liderança na conscientização do consumidor

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Por Luiza Pollo
3 min de leitura

A indústria da moda vive uma contradição: ao mesmo tempo em que é a segunda mais poluente, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) – atrás apenas do óleo e do gás –, também tem um dos papéis mais importantes para convencer os consumidores de que as práticas ESG importam. Definir tendências é o motor desse mercado, e, portanto, é uma das melhores portas de entrada para tornar o consumo consciente mais do que uma tendência. 

“A moda tem dois vetores de protagonismo na mudança para o desenvolvimento sustentável: ela evolui nas próprias práticas, naquilo que fabrica, mas também é protagonista na transformação do comportamento da sociedade. Tanto quanto o cinema, a literatura e as artes, a moda é uma das protagonistas da cultura”, disse Oskar Metsavaht, fundador da Osklen e embaixador da Unesco para Sustentabilidade, durante o painel “As Boas Práticas para a Moda Sustentável” do Summit ESG 2021 Estadão.

Desfile em Roma. Definir tendências é o motos desse mercado e, portanto, ele é uma das melhores portas de entrada para tornar o consumo consciente uma verdadeira necessidade Foto: Ettore Ferrari/EFE

Da parte da indústria, os esforços já são visíveis, ainda que o impacto não seja o suficiente. Mauro Mariz, diretor de Gente, Gestão e Sustentabilidade da Riachuelo, destacou a importância das grandes empresas liderarem esses esforços para amplificar o impacto em escala. A própria Riachuelo, por exemplo, já produz calças jeans que gastam até 90% menos água e 85% menos produtos químicos. Os números variam, mas, para se ter ideia, uma única peça em produção normal chega a consumir 8 mil litros de água, conforme o cálculo da ONU. Isso é o quanto uma pessoa costuma beber ao longo de sete anos.

Fica claro que pensar em sustentabilidade em uma indústria que produz sozinha 10% das emissões globais de carbono e contribui com 20% das águas residuais (ou seja, com impurezas) é urgente e exige esforços em toda a cadeia de produção, ressaltaram os participantes do painel. Mas o E de ESG não pode ser o único foco.

“A gente sabe que não se trata apenas do ambiental”, observou Felipe Guimarães Fleury, docente dos cursos de Negócios da Moda e Design de Moda da Universidade Anhembi Morumbi, sobre a inserção do ESG na área. “Estamos falando de conter danos à natureza, mas também de uma melhoria da sociedade como um todo. Dar oportunidades para as minorias, realizar ações para promover diversidade, e até mesmo implementar medidas para combater fraude e corrupção dentro das empresas.”

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Mariz, da Riachuelo, conta que uma das preocupações da empresa tem sido pensar em toda a cadeia produtiva sob olhar de boas práticas: da contratação de trabalhadores no Nordeste que nunca antes tiveram carteira assinada até a eliminação correta de produtos químicos na hora de tingir a peça. E quanto custa tudo isso? Metsavaht, que fundou a Osklen sob princípios de sustentabilidade, afirma que o custo extra dessas práticas vem diminuindo para o consumidor final, à medida que as novas tecnologias de produção ganham escala. 

Educar

No entanto, ele argumenta que é papel das próprias marcas educar a sociedade sobre o valor de uma peça produzida com consciência ambiental e social. “A gente paga mais pelo status de luxo de uma marca, mas tem de entrar no mindset o critério de escolha de um status mais contemporâneo: escolher produtos de origem sustentável”, disse ele, que cravou o conceito de novo luxo nos anos 2000. “Projetos de valores humanos e ambientais importantes são o verdadeiro luxo do século 21”, resume.

Os participantes do painel defendem que esse custo seja dividido também com o poder público, em forma de benefícios fiscais a empresas que se comprometem com uma cadeia sustentável. Sem incentivos, os pequenos empreendedores são os que mais sofrem com o impacto dos custos de transformação, observou a mediadora do painel, empresária, fundadora da Fhits e colunista do Estadão Alice Ferraz.

Em meio às grandes empresas, com capital de investidores que já valorizam o ESG e com maiores possibilidades de adaptação, os pequenos veem dificuldade em se sustentar nesse mercado, mesmo que consigam encontrar soluções inovadoras. Para Mariz, a indústria da moda só vai realmente mudar se começar a olhar para esses pequenos esforços e valorizá-los. “Começar a criar condições para parcerias é fundamental. Isso está no nosso planejamento estratégico, olhar especificamente essas inovações, em qualquer elo da cadeia de produção”, diz ele. “Acho que a gente está indo para um momento em que sai da competição e vai para a cooperação.”