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A 2 semanas do prazo, Brasil não fechou meta de redução de gases

Ministra diz que tem muitos ‘cenários’, mas afirma que, para ela, País deve ter restrição menor por estar em desenvolvimento

Por Giovana Girardi
Atualização:
Izabella. 'O que tivemos foi um apresentem intenções' Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

BRASÍLIA - Faltando duas semanas para a data em que o governo brasileiro prometeu finalmente anunciar qual será sua contribuição para reduzir o aquecimento global, os ministérios envolvidos nessa elaboração seguem mergulhados em projeções e sugestões dos mais diversos setores e ainda não conseguiram decidir para onde vão as emissões nacionais de gases de efeito estufa.

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Durante visita da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, ao Brasil, a presidente Dilma disse que anunciaria a chamada INDC (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida) em reunião da ONU no final de setembro nos Estados Unidos. Não está claro se no dia 27, quando Dilma fala na cúpula sobre os objetivos do desenvolvimento sustentável, ou 28, quando ela abre a Assembleia Geral da ONU. Mas em um desses dois dias deve sair o conjunto de metas do Brasil para a Conferência do Clima (COP) de Paris. O prazo final é 1º de outubro.

Em entrevista exclusiva concedida ao Estado na última sexta (13), a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que coordena a força-tarefa, disse que a demora é normal - “bem-vinda ao governo”, ironizou. Mas ao longo de 1h30 de conversa, mostrou que há muitas pontas a serem aparadas.

Algumas pistas já foram anunciadas nas recentes declarações conjuntas que Dilma fez com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e com Merkel. Nesses acordos bilaterais foi dito que o Brasil pretende zerar o desmatamento ilegal até 2030, aumentar de 28% a 33% a presença de energias renováveis na matriz energética do País, reflorestar 12 milhões de hectares e compensar emissões provenientes de supressões legais de vegetação. De quebra, Dilma ainda anunciou o compromisso de o Brasil descarbonizar sua economia até 2100.

Mas não foi dito ainda - e aparentemente o governo continua sem essa resposta -, se a meta brasileira trará algum número absoluto de redução das suas emissões para 2030. Com exceção da China, quase todos os outros países que já apresentaram suas emissões - são mais de 60 até o momento -, trouxeram um número fechado.

Com aspecto abatido - atribuído às muitas viagens que tem feito por conta da COP -, Izabella insistiu que o Brasil “fez mais do que qualquer outro país” em redução de gases de efeito estufa. Ela se refere às metas voluntárias estabelecidas em 2009 de corte de 36% a 38% até 2020 em comparação com uma previsão de como as emissões cresceriam se nada fosse feito para combatê-las. No jargão técnico é o chamado business as usual (BAU).

Em um momento de um pouco de desconcentração em meio a uma entrevista tensa, a ministra mais longeva do governo Dilma disse que, se dependesse só dela, a INDC brasileira traria uma meta de ainda mais reduções.

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Mas não depende só dela. Ministérios estratégicos, como da Agricultura e das Minas e Energia, têm de dar seu parecer sobre como serão os compromissos em relação às suas áreas. Historicamente a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa do Brasil foi o desmatamento da Amazônia, mas com a queda de 82% obtida nos últimos dez anos, setores de agricultura e energia passam a pesar mais nas emissões.

O Brasil deve ter na sua INDC uma meta absoluta de redução das emissões? Ainda está em discussão. Eu tenho cenários de tudo quanto é jeito, inclusive com metas absolutas. Só não tem business as usual.

Qual é a dificuldade para se chegar ao formato final?

Só precisamos tomar a decisão, querida. Nós fizemos projeção para redução absoluta, de redução relativa, por intensidade de carbono por unidade de PIB (quanto carbono é emitido por cada unidade de PIB produzida), posso ter várias maneiras de apresentar uma INDC. A Convenção (do Clima da ONU, que organiza a COP) não disse como era para fazer. Nós estamos trabalhando, a pedido da presidente da República, com todos os cenários possíveis do que o Brasil pode fazer para ser mais ambicioso e trabalhar efetivamente as questões de redução de emissões. Relembrando que o Brasil é o país que, voluntariamente, já faz redução de emissões com base em business as usual. Tudo o que os países em desenvolvimento estão apresentando agora é em cima BAU. O que é isso? O país estima para um determinado período o que seriam suas emissões históricas e começa a mudar a curva para baixo. É o que o Brasil está fazendo de 2010 a 2020. Mas o que fizemos voluntariamente, os outros países estão fazendo compulsoriamente.

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Na declaração com os Estados Unidos, foi proposto chegar a uma participação de 28% a 33% de renováveis (sem contar hidrelétricas) na matriz energética, mas hoje (valores de 2014) já temos 28,6%, não?

Se formos contar só a matriz elétrica, para geração de energia, que é onde eólica e solar entram, vamos dobrar a participação. Mas a matriz energética total (que inclui combustíveis para transporte) tem de ser vista por décadas. Na década de 90 a 2000 tinha 47% de renováveis (incluídas as hidrelétricas), de 2000 a 2010, isso foi para 41, 42, 43%. E agora temos de ver, na indicação de 2010 a 2020, quanto a presidenta sinaliza que quer ampliar a participação de renováveis. Vamos lembrar que os leilões de energia eólica estão sendo feitos agora. Vamos ver como vai ficar a questão do álcool e as discussões que existem de manter energia hidráulica no Brasil. Se todos os planos de implantação de hidrelétricas tivessem acontecido ou estivessem acontecendo no tempo do planejamento, essa matriz estaria mais robusta do ponto de vista de participação de renováveis. Aí escuto críticas de que o Brasil está emitindo muito em 2013, 2014. O Brasil nunca teve a seca que está tendo hoje e obviamente que, tendo os reservatórios esvaziando e as hidrelétricas a fio d’água, o Brasil tem um back-up de térmicas a combustível fóssil. Aí quando elas são ligadas para não faltar energia é óbvio que tem emissão. Mas acreditamos que é absolutamente viável, ao longo do tempo, que o Brasil tenha um equilíbrio entre renovável e com energia fóssil na matriz energética como um todo.

Na declaração conjunta com Angela Merkel, a presidente Dilma se comprometeu a compensar as emissões de carbono provenientes do desmatamento legal. Como será isso?

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A preocupação não é com o desmatamento ilegal. Porque com ele a gente vai acabar, uma vez que desmatar no Brasil é crime desde 1998, pela Lei de Crimes Ambientais - apesar de que isso não impediu que o Brasil tivesse as suas maiores taxas de desmatamento depois disso. Temos meta para zerá-lo até 2030. Mas ainda temos que lidar com o que é permitido. A lei no Brasil autoriza que um proprietário de terra faça uso de sua propriedade. O Código Florestal prevê que se proteja a Reserva Legal, que é de 20% em todos os biomas, exceto na Amazônia, onde chega a 80%, e as áreas de preservação permanente (as APPs). As outras áreas da propriedade são passíveis de supressão de vegetação, com autorização do órgão ambiental estadual. Só que do ponto de vista de clima, o carbono que vem dali ou do desmatamento ilegal é o mesmo

Do desmatamento total que temos hoje, quanto o governo estima que é legal ou ilegal?

Vamos pensar o seguinte. Quando o Brasil analisa a taxa de desmatamento da Amazônia, mede o corte raso, não interessa se é legal ou ilegal. Cortou, o carbono subiu. Hoje está em cerca de 5 mil km², já esteve em 29 mil km², e temos uma meta de chegar a 3.925 km² até 2020. Não diz se é legal ou não, mas onde temos de chegar. Mas uma vez que alcançarmos isso, temos de saber: quanto disso é ilegal? Porque se for ilegal, eu tenho de continuar combatendo. As estimativas dos especialistas - porque os Estados não compartilham os dados de quanto eles autorizam de supressão - é que, da taxa de desmatamento, em média, cerca de 60% é ilegal e 40%, legal. Eu sou mais radical, acho que é 70/30, ou 80/20, por causa de tudo que a gente vê na fiscalização. Fora que eu tenho indicação que tem Estado falando que só tem 3% que é legal. E no processo de construção de ambição para 2030, trabalhamos com a proposta de acabar com as emissões provenientes de desmatamento ilegal e compensar o que vem da supressão legal. Então, arredondando para cerca de 4000 km² que temos de ter em 2020, 2.400 seriam ilegais e 1.600 legais. Eu zero o ilegal e neutralizo o que é passivo de supressão legalmente. Para neutralizar essas emissões, eu tenho de plantar 9 milhões de hectares. É daí que vêm os tais 12 milhões de hectares para serem restaurados ao longo de uma década. O desejo político é desmatamento zero e restauração subindo. O País passa a ser sumidouro, ele captura carbono. 

Se a decisão pela INDC estivesse somente em suas mãos, qual seria a meta brasileira?

Ah, não posso dizer. Mas acho que por mim o Brasil continuaria reduzindo as emissões.

Mas de quanto deveria ser a meta para a sra.?

Isso não posso dizer. Não fechei os números. Mas há um entendimento mundial que o Brasil deve ter uma folga. O Brasil tem de crescer emissões porque é um país em desenvolvimento, não é um país com infraestrutura consolidada. E como faz isso sem aumentar emissões? Podemos optar por infraestrutura de baixo carbono, mas tem emissões associadas a isso. A discussão dos especialistas é que nós teremos de ter emissões. Ninguém está zerando as emissões do Brasil. Mas o Brasil terá de mostrar a trajetória de redução de emissões no tempo, o que já está fazendo, voluntariamente, e já é a maior redução do mundo. Se não tivéssemos feito isso, traríamos essas metas agora para dentro da INDC. Mas fizemos isso e o mundo só dá um tapa nas costas, agradece e ba-bau. Mas o Brasil já disse que vai dobrar a participação de energias renováveis na matriz elétrica e só isso já é redução absoluta de emissões. O Brasil está indicando que vai reduzir emissões, mas quanto será efetivamente, depende de chegarem os últimos modelos. Hoje (sexta) é o deadline e na semana que vem vamos consolidar tudo, passar pelos ministros e depois pela presidente. Teremos INDC, vamos cumprir o prazo. Se depender do que o Ministério do Meio Ambiente deseja, nós teremos um belo compromisso de INDC que vai assegurar o desenvolvimento e ter redução de emissões em 2030.

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Todos os países-membros da Convenção do Clima se comprometeram a adotar medidas para manter o aquecimento do planeta em no máximo 2ºC. Mas alguns estudos que avaliaram as INDCs apresentadas até o momento calculam que, se depender desses números, em 2030 o mundo estará com uma emissão maior do que a condizente para ficar nos 2ºC. O que a senhora espera da conferência em Paris?

Até agora o que recebemos de pedido da Convenção do Clima (UNFCCC) foi um: “apresentem suas intenções”. Todo mundo foi convidando a entrar no jogo. Tem dois buracos nisso: como juntar tudo isso e uniformizar a linguagem e ver quanto será a lacuna para os 2ºC; e quanto vai custar. Acho que teremos um acordo politicamente vinculante, mas não legalmente vinculante, porque os Estados Unidos não podem ter um compromisso assim e não é possível ter um acordo sem os EUA a bordo. E vai criar um novo momento. Esse será o ganho de Paris. Todo mundo estará envolvido para a partir de 2020 construir soluções para a redução de emissões. Agora como isso vai se dar no tempo vai ser definido em debates após Paris. O Brasil propõe para a discussão de Paris que se tenha um ciclo de 10 anos, dividido em dois de cinco. Nos primeiros cinco anos, os países apresentam o que pretendem fazer. Depois esse pretendido vira uma contribuição firme. E essa avaliação sobre se os países, no agregado, estão indo na direção dos 2ºC ou não será feita nesse intermédio, após cinco anos. Eu acho que a estratégia seria olhar o perfil de emissões. Quem emite mais, vai ter de reduzir mais rápido, ou vai ter de ser mais eficiente ou mais ambicioso. Mas isso vai ser um debate monumental.

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