Para contar essa história, precisamos voltar ao ano passado, quando Benjamin Seroussi e a equipe do Instituto Pedra, que coordenam as atividades culturais nos espaços da Vila, convidaram o permacultor Gilberto Machel para desenvolver um curso de Agrofloresta.
O permacultor desenvolveu um curso com duração de quatro meses, ministrado às quartas e sábados para vinte alunos onde aplicou os ensinamentos do suíço Ernst Gotsch, especialista em recriar ambientes devastados. As agroflorestas caracterizam-se por serem a antítese das fazendas de monocultura. Nelas a maior quantidade de espécies são cultivadas mantendo ao máximo a diversidade nativa e respeitando os ciclos da natureza, sem a utilização de agrotóxicos. "Na agrofloresta sempre há muita coisa nascendo e morrendo. E o que morre é utilizado como adubo verde", exemplifica Gilberto.
As aulas na vila começaram em agosto de 2015 e no início foram muitas explicações teóricas. Somente em outubro o grupo - com o início do período chuvoso -começou a colocar a mão na terra. O local escolhido para o plantio foi o pátio, de cerca de 100 metros quadrados, ao lado da construção principal da Vila, o Palacete do comerciante português Francisco de Castro. Gilberto Machel calcula que entre árvores, herbáceas e hortaliças, mais de cem espécies foram plantadas no pátio. Cereja do Rio Grande, banana, feijão, quiabo, mamão, milho, mandioca, couve, muitas PANC´S (Plantas alimentícias não convencionais), flores, gergelim, aveia preta, girassol, ora pro nobis, pariparoba, taioba, erva cidreira...a lista é grande.
"Sabíamos que uma hora talvez precisassem tirar a Agrofloresta de lá, só não imaginávamos que seria tão rápido", lamenta ele. Desde o início algumas restrições foram impostas ao grupo, como não plantar árvores de porte elevado e nem espécies que não pudessem ser retiradas posteriormente do local. Apesar da dificuldade inerente que o projeto envolvia o resultado foi muito positivo. A funcionária pública Ray Monteiro, uma das alunas do curso, aproveitou o último domingo para ver pela última vez a Agrofloresta. "As amizades e aprendizados que tivemos por aqui, isso ninguém nos tira", disse, enquanto caminhava próximo das bananeiras e taiobas - um dos locais que mais gostava.
Ray Monteiro aponta em meio a vegetação, uma das nascentes do Rio Itororó, com águas incrivelmente limpas. Escutar o barulho de suas águas é uma cena emocionante. O rio corre na região onde é hoje a Avenida 23 de maio e foi completamente canalizado e "escondido" do paulistano em 1969 com a construção dessa artéria escoadora de carros e ônibus.
A Agrofloresta precisou ser desfeita devido a reparos urgentes na estrutura do Palacete. Os engenheiros verificaram que só com um maquinário pesado seria possível fazer os ajustes necessários. Para lamento de quem se envolveu a fundo na experiência, caso do veterinário Fabio Furlan, que no meio da semana declarou estar de luto com a "desconstrução" da Agrofloresta. Em meio a tristeza, Furlan driblou a rotina atribulada e junto com as amigas Cassia Castro, Fabíola Donadello e Mity Hori, foram com um carro com espaço capaz de transportar as mudas. Todas as plantas coletadas foram levadas para a Horta das Corujas. Mudas de café e cacau serão plantados em lugar apropriado na horta, que será decidido coletivamente entre os voluntários que comparecerem. As demais estarão disponíveis para doações. Trata-se de um dedicado "resgate" da vegetação da Agrofloresta. Hortaliças e algumas plantas que não aceitam replantio foram deixadas na Vila Itororó.
O endereço da Horta das Corujas, é Avenida das Corujas, 39, Sumarezinho. O mutirão em homenagem ao esforço da agrofloresta da Vila Itororó começa hoje, às 10 horas da manhã. E se depender dos alunos do curso, pode-se esperar muita movimentação verde pela cidade a partir dessa experiência. "A maior lição é que as pessoas juntas podem cuidar da cidade, do espaço comum e produzir comida saudável sem gastar dinheiro! Eu estou procurando pedaços de terra de 100 metros quadrados ou mais pra replicar tudo que aprendi!", finaliza o veterinário Fabio Furlan.
VILA ITORORÓ
A Vila Itororó faz parte da história da cidade, construída a partir de material de demolição do antigo Teatro São José, destruído em 1920. O comerciante português Francisco de Castro ergueu em dois anos o Palacete, uma construção que foge dos padrões estéticos convencionais. Ao redor do Palacete, casas que Castro alugava e conseguia assim, boa parte de seu sustento. No centro da Vila foi construída uma piscina, abastecida com as águas do Riacho do Itororó.
Na década de 1950, com a morte do comerciante, que faleceu bastante endividado e sem herdeiros, seus bens foram a leilão entre seus credores, incluindo a Vila. A Vila passa por diversos proprietários e no final dos anos 70, tem início um processo de tombamento que se arrasta durante muitos anos.
Nos anos 2000 os moradores sofrem um processo de desapropriação pela Prefeitura, que junto com o Governo do Estado têm projetos de construção de um Centro Cultural. A restauração iniciou-se em 2014 e em meio aos trabalhos, muitos espaços estão sendo utilizados por artistas, artesãos, grupos de teatro e no caso da agrofloresta, por hortelãos. Todo último final de semana do mês, há visitas monitoradas pelas dependências da Vila, em três horários, ao meio dia, às 14 horas e às 16 horas. Entrada pela Rua Pedroso, 238, próximo do metrô São Joaquim. Não é necessário agendamento.