Bloco do Água Preta
No sábado a tarde (dia 13) nas ruas da Vila Anglo houve uma enxurrada, mas não de água e sim de gente, que simbolicamente transbordou o Água Preta, rio canalizado pela expansão irrefreada da cidade nas últimas décadas.

Bloco do Água Preta no início do percurso pelas ruas do bairro. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
O Bloco surgiu da vontade do casal de artistas, a dançarina Anahí Asa e o músico Lincoln Antonio, de fazerem um bloco de rua que discutisse algo relevante para a cidade. Eles reparavam nas andanças pelo bairro nas várias nascentes que escorriam dos prédios da região e no rio, canalizado, que nunca dava as caras. Somente na travessa Roque Adóglio é possível ouvir suas águas. Um dia Lincoln chegou em casa trazendo um presente para Anahí, um antigo mapa da região contendo o percurso do rio. Dias depois a dançarina teve um insight caminhando pela rua. “Vamos fazer um bloco de carnaval que passe pelo trajeto do rio”, pensou. O marido gostou bastante da ideia e junto com outros amigos músicos começaram a pensar juntos na questão da água na cidade e, claro, tudo que envolve colocar um bloco na rua.

Lincoln Antonio e Anahí Asa; os fundadores do Bloco. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
A primeira – e única – cláusula do estatuto do Água Preta diz muito sobre eles: “O Bloco do Água Preta será um Bloco acessível para todas as idades!” Todos ali são responsáveis pelo bem estar de qualquer um dos integrantes e assistindo o cortejo percebe-se que essa preocupação estende-se também para a cidade. Latinhas de água e cerveja são postas em sacos plásticos e durante o percurso não avistei lixo sendo jogado nas ruas pelos foliões. Diferente de boa parte dos grandes blocos que circularam por São Paulo.

Preocupação em recolher o lixo produzido. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
O bloco é pequeno, mas como é feito em grande parte por músicos amigos de Lincoln e Anahí possuem uma potente banda, com flautas, saxofone, cavaquinho, pífano e instrumentos de percussão. Para levar as crianças, o grupo contou com o apoio do Bloco Bastardo. Os amigos cederam um carrinho em forma de barco com capacidade para seis crianças. Os adultos se revezaram cuidando dos pequenos. E para amplificar o som, um triciclo amarelo, que dava um charme todo especial à trupe. A bicicleta foi cedida pela companhia teatral Cia São Jorge.

O triciclo cedido pela Cia São Jorge… FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

… e o barquinho para as crianças emprestado dos colegas do Bloco Bastardo. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
O Bloco toca só músicas próprias – segundo Anahí viram uma espécie de “mantra” e nesse ano a tragédia do rompimento da barragem da mineradora Samarco foi lembrada na letra e em algumas fantasias, como a da oceanógrafa Mariana Corá, de 32 anos, que fez uma saia azul com detalhes em marrom e figuras de peixes mortos. Mariana se identificou com o Bloco devido a análise crítica que fazem dos rios da cidade, além de destacar o aspecto “família” do grupo. Outra fantasia bem criativa que chamava a tenção era a da canadense chilena Alejandra Burchard, de 28 anos, que junto com amigas produziu com papelão um vistoso Yellow Submarine, o submarino amarelo dos Beatles. Esse foi o primeiro carnaval de Alejandra que nem de longe, segundo ela, tem uma festa parecida nos seus dois países de origem. Engenheira química, trabalha com questões envolvendo a água e assim como Mariana, entusiasmou-se em juntar questões sociais e ambientais com a farra do carnaval. Além de fantasia de Rio Doce e Submarino havia muita gente fantasiada de banhista fluvial, com maiôs, óculos de natação e roupas de praia. Dois “mosquitos Aedes” também marcaram presença.

A oceanógrafa Mariana Corá lembrou da tragédia da barragem. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Alejandra Burchard (esquerda) e suas amigas foram de Submarino Amarelo. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

O mosquito Aedes aegypti também foi lembrado. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
A concentração do grupo foi na Praça Rio dos Campos, sugestivo nome que remete a uma cidade que tem muita água, apesar de boa parte de seus rios e córregos estarem poluídos e canalizados. Longe da vista da população. Antes do grupo sair pelas ruas do bairro, caminhei até a travessa Roque Adóglio, um beco cheio de grafites e, infelizmente,em alguns pontos, com lixo como restos de aparelhos domésticos; televisões, geladeiras, madeira queimada e entulho. No início do caminho um bueiro com as inscrições “Aqui passa o Água Preta”. O Bloco grafita a cada apresentação essa frase como forma de lembrar os moradores a presença do rio. Esqueci um pouco o carnaval. Apurei mais minha audição, me detive naquele bueiro. Pude escutar um outro som. O belo ruído das águas do Água Preta que correm aprisionadas por uma cidade que por muitos anos esqueceu-se de sua natureza. Minutos depois uma enxurrada de gente ia passar pela viela e “atravessar” suas águas.

Local onde é possível ouvir o rio, na travessa Roque Adóglio. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Banhista prepara-se para “entrar” nas águas do rio. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Sábado de muito calor e agitação na “beira” do rio. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Uma enxurrada de gente pelas ruas da Vila Anglo. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Travessia das águas no Bloco Água Preta. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Muitas fantasias com trajes de banho pelo Bloco. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

E quem disse que não tinha água? FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
Bloco Fluvial do Peixe Seco
Além do Bloco do Água Preta, outro Bloco discute o papel das águas na cidade e a importância de se resgatar os rios da cidade, o Bloco Fluvial do Peixe Seco.
Criado a partir de discussões e vivências do coletivo Mapa Xilográfico que realiza outras atividades fora do período do carnaval, o Bloco desfila desde 2014, sempre falando sobre os rios de São Paulo. Esse ano o tema do desfile – sim o bloco promove um pós-carnaval no próximo domingo, dia 21, às 14 horas – será sobre o Rio Tamanduateí. A saída será no Largo do Pari, próximo ao Mercado Municipal.
Foto Thais Carvalho Hércules/Bloco Fluvial do Peixe Seco