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Um olhar humano sobre os seres vivos que coabitam o planeta

Usar de força bruta com cães não levará ao desenvolvimento de melhores diagnósticos ou tratamentos para a artrose

Pesquisas modernas que tem o homem como foco e que não se utilizam de animais são a grande promessa para alcançarmos melhores tratamentos e remédios para a artrose, uma doença complexa que atinge milhões de pessoas.

Por Marcia Triunfol
Atualização:

Para se criar de forma artificial um joelho com osteoartrite, também chamado de artrose, em um cão perfeitamente saudável é necessário o uso de um instrumento que funciona como um sistema de impacto (dropping tower). Este sistema solta 2 Kgs em cima da perna dobrada de um cão imóvel e anestesiado, mais comumente um beagle, sendo também utilizados labradores, golden retrievers e pastores alemão para esta finalidade. O beagle na foto está prestes a receber uma força de mais de 2000 N em cima do joelho dobrado. Para se ter uma ideia, uma pessoa pressionando um peso de 45 kgs usa aproximadamente 450 N de força.

 Foto: Estadão

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Uma cadela beagle sob o sistema de impacto que vai ser usado para lesar o joelho do animal. Ela, como os outros 11 cães são submetidos a este procedimento em um estudo,  quando recuperada da anestesia terá a sua dor monitorada. Esta cadela será então sujeita a cirurgia de joelho aberta seis meses depois para que sejam coletadas amostras de ambas as articulações do joelho do animal. Nesse caso, o comitê de ética que analisou o estudo recusou-se a permitir o sacrifício dela e ela foi autorizada a viver após os experimentos. Reimpresso de Osteoarthritis and Cartilage, 14:2, Mrosek et al., Subchondral bone trauma causes cartilage matrix degeneration: an immunohistochemical analysis in a canine model, 171-178. Copyright (2006), com permissão de Elsevier.

Experimentos como este são comumente chamados de "avanços científicos" mas a ideia de que se crie com isso algo que se pareça com um joelho com artrose não me convence. Eu duvido que alguma pessoa tenha adquirido artrose por ter se deitado numa cama com as pernas dobradas enquanto um aparelho lhe aplicava uma força bruta em cima de suas juntas. Tenho certeza que não sou a única a me perguntar como este evento instantâneo e traumático no joelho do cachorro pode de alguma forma se parecer com as alterações gradativas e progressivas que ocorrem nos tecidos e que são o resultado de uma resposta inflamatória que acarreta em artrose nos seres humanos.

A artrose é uma doença incrivelmente complexa. É a forma mais comum de artrite, que afeta até 15% dos adultos com mais de 60 anos e é um grande peso para a saúde pública, dado os milhões de dias que as pessoas deixam de ir trabalhar anualmente devido a doença.

 

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O diagrama mostra que a cartilagem intacta que normalmente é encontrada em uma articulação do joelho saudável (imagem esquerda) está danificada na artrose (imagem direita). Imagem de istock, direitos autorais ttsz.  Foto: Estadão

A artrose resulta em uma reação inflamatória contínua que desencadeia a destruição da cartilagem, reduzindo a capacidade de absorção de choque da articulação e leva a problemas óbvios de mobilidade e dor. Atualmente não há cura para a condição, e sabemos pouco sobre como a doença surge. Então o que fazer? Podemos parar de colocar pesos pesados ??nos joelhos dos cães, para começar, porque a pesquisa que utiliza métodos alternativos ao uso de animais tem encontrado algumas soluções e pode oferecer mais esperanças a quem sofre desta condição.

Através da análise da dor crônica que as pessoas com esta condição sofrem, talvez possamos entender melhor a dor humana. Técnicas como a neuroimagem, (olhando como e onde no cérebro a dor é expressa), microdiálise (amostragem de fluidos de todo o corpo para ver o que está sendo liberado na resposta à dor) e até mesmo reexaminar os possíveis efeitos analgésicos de ' drogas fracassadas" (ou seja, aqueles que passaram por testes de segurança e toxicidade, mas não tiveram sucesso para uma determinada doença), são algumas das opções aqui. Como na maioria das doenças humanas, o melhor entendimento do que está acontecendo nas pessoas ainda é a melhor forma para encontrarmos melhores tratamentos. Para pessoas mais idosas e com artrose, um ensaio clínico em busca de exercícios descobriu que a cadeira de ioga era mais efetiva na redução da dor relacionada à artrite do que as sessões de educação em saúde que educava os pacientes sobre fitness e artrose.

Mais recentemente, a artrose foi descrita como um transtorno metabólico. Isso ocorre se identificou que uma mudança no metabolismo das células que produzem a cartilagem protetora das articulações faz com que elas erroneamente liberem glicose, o que ativa as células inflamatórias que danificam as articulações. Um melhor entendimento de como essa alteração metabólica ocorre provavelmente irá nos fornecer pistas de como melhor tratar a inflamação, que é o que de fato causa a artrose.

Naqueles pobres cães danificados é fácil saber quando a "artrose" se iniciou (quando o peso foi usado para esmagar o joelho do animal), coisa que não se sabe no caso das pessoas com artrose.  Em seres humanos, a detecção precoce da doença pode ser a chave para reduzir os danos causados nas articulações e para minimizar a dor e o desconforto, o que agora pode de fato se tornar realidade graças a um exame de sangue recentemente desenvolvido que mostra que é possível detectar de forma precoce anormalidades nas proteínas de quem vem a desenvolver artrose.

Algumas outras opções interessantes são os algoritmos de computador, que podem ser usados ??para prever como a doença de um indivíduo pode progredir. Há também a opção do tratamento não cirúrgico da artrose, que tem sido considerado como uma opção de tratamento a curto prazo. E, finalmente, que tal meter algumas algas nessa história? O alginato de sódio das hastes de algas marrons mostrou ter efeitos anti-inflamatórios promissores quando usado para tratar culturas de células capazes de danificaras articulações. Essa propriedade das algas pode levar ao desenvolvimento de novos biomateriais para reparação articular.

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Considerando esses exemplos de pesquisas recentes (todas publicadas nas últimas semanas) que tem o homem como foco e que não se utilizaram de animais, podemos ver o tanto de novas descobertas que poderiam surgir para esta doença em apenas um ano se para tal desviássemos o dinheiro gasto com os estudos feitos em cães jovens e saudáveis que são deliberadamente lesados e focássemos em investir em uma ciência mais eficiente e ética que seja condizendo com o século em que vivemos!

 

A versão em inglês deste texto foi escrita por Lindsay Marshall e se encontra disponível NESTE LINK.

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