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Um olhar humano sobre os seres vivos que coabitam o planeta

Rato que rola e mico que não consegue se virar: o triste, e cruel, fracasso da pesquisa de Parkinson feita com animais.

Nenhum remédio eficaz para tratar a Doença de Parkinson foi desenvolvido nos últimos 50 anos, indicando que a estratégia que foca em modelos animais para esta doença é ineficiente, além de ser cruel. É cruel com os animais submetidos a testes inúteis e cruel com os pacientes, que ficam sem tratamento.

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Por Marcia Triunfol
Atualização:

O Dia Mundial da Doença de Parkinson aconteceu esta semana que passou (11 de abril) e teve como objetivo fazer com que as pessoas se conscientizassem sobre a doença e sobre a enorme necessidade de encontrarmos tratamentos eficazes. Essa conscientização é sem dúvida fundamental, mas há outro trabalho de conscientização também importante: é aquele que diz respeito ao sofrimento dos animais de laboratório usados na pesquisa de Parkinson, quando na realidade as respostas que procuramos deveriam vir de pesquisas voltadas para o paciente.

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Nos seres humanos, os tremores musculares, ou a falta de habilidades motoras  finas, podem ser os primeiros indícios da ocorrência da Doença de Parkinson, mas os sintomas motores não são os primeiros a aparecerem. A morte de neurônios cerebrais produtores de dopamina é, em última instância, o que causa os tremores, mas o dano real se inicia bem antes do surgimento dos tremores. O monitoramento desta perda gradativa de neurônios não é algo possível de ser feito em animais. A simulação da Doença de Parkinson em animais geralmente utiliza injeções de toxinas feitas diretamente no cérebro. Estas injeções destroem os neurônios produtores de dopamina mas os efeitos são de curto prazo e momentâneos, se comparados ao lento declínio progressivo que ocorre ao longo de décadas nos pacientes que desenvolvem a Doença de Parkinson. Ou seja, a estratégia feita em animais não replica o que ocorre em seres humanos.

A pesquisa induz um dano cerebral nos animais para que eles tenham tremores semelhantes aqueles observados na Doença de Parkinson, para que em seguida sejam testadas se novas drogas experimentais podem reverter estes tremores. Uma vez que o animal apresente sinais de dano cerebral ele é submetido a vários testes de comportamento, incluindo o teste da ampulheta, teste do rota-rod e teste da catalepsia, para investigar se as drogas utilizadas podem ter algum efeito no comportamento do animal.

 Foto: Estadão

No teste da ampulheta, um pequeno mico é colocado dentro de um cilindro transparente pequeno de modo que possa apenas se sentar. O cilindro é então invertido rapidamente de modo que o mico fique de cabeça para baixo. Um mico saudável consegue voltar para a posição natural em aproximadamente 2 segundos enquanto que os animais usados como modelo da Doença de Parkinson, que sofreram alterações no cérebro ou mesmo alterações genéticas, podem levar muito mais tempo para conseguirem voltar a posição, ou podem até  jamais conseguir voltar. Já o rota-rod é uma barra cilíndrica que gira sem parar.

 Foto: Estadão

Imagem de Bmouzon (trabalho próprio) [CC BY-SA 4.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0)], via Wikimedia Commons

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Ratos ou camundongos são colocados no cilindro e se observa por quanto tempo conseguem se equilibrar em cima do cilindro que fica girando. Quando o animal cai ele é colocado novamente no cilindro. Estes testes podem durar até 15 minutos. Como este teste explora principalmente o medo natural do animal em cair, estes 15 minutos devem parecer uma eternidade para um rato ou um camundongo, que ali estão lutando por suas vidas. Assim como o teste da ampulheta, o comportamento dos animais que tiveram seus cérebros lesados são comparados com animais normais.

O teste da catalepsia consiste em colocar o animal numa posição estranha e observar quanto tempo o animal se move e sai da posição estranha. Para camundongos e ratos, suas patas dianteiras são colocadas numa barra de modo que fiquem numa posição quase como se estivessem sentados. Falando assim pode até parecer fofinho como se o animal estivesse sentadinho na sala de aula, ou pronto para fazer um discurso, até que você se dá conta que o animal não está se mexendo porque seu cérebro foi lesado de alguma forma, numa tentativa de fazer com que apresentasse sintomas da Doença de Parkinson. Isso não tem nada de fofinho, muito pelo contrário. Nenhum remédio eficaz para tratar a Doença de Parkinson foi desenvolvido nos últimos 50 anos, o que indica que as estratégias utilizadas na pesquisa, que tem sido voltadas para o uso de animais, são ineficazes.

Por outro lado, o diagnóstico precoce da Doença de Parkinson é a estratégia principal para assegurar que as terapias celulares modernas poderão ser eficazes. As opções de tratamento, atualmente, para indivíduos com Parkinson, tem o objetivo de restabelecer a produção de dopamina no cérebro, mas as estratégias futuras visam de fato reparar os danos causados no cérebro através da substituição das células doentes por células que produzam dopamina. Há vários estudos clínicos acontecendo com pacientes com a Doença de Parkinson onde estas possibilidades estão sendo avaliadas. A questão ainda parece ser como estabelecer um diagnóstico precoce de forma que o tratamento possa ser iniciado antes mesmo que os tremores característicos desta doença surjam.

Muitos esforços estão sendo feitos para facilitar o diagnóstico precoce da doença. Tecnologias tais como ressonância magnética proporcionam imagens não-invasivas e detalhadas do cérebro que podem revelar as alterações já associadas com a doença e podem também guiar novas terapias que tem como objetivo estimular regiões específicas do cérebro. Um estudo revelou que há vários sintomas da doença além dos sintomas motores conhecidos e que estes podem ser úteis para diagnosticar a doença antes que seja tarde demais. Por exemplo, e perda da habilidade de sentir cheiro (hiposmia) está associada com deficiências no transporte de dopamina no cérebro e tem sido utilizadas para diagnosticar a Doença de Parkinson precoce. Além disso, um estudo recente feito no Reino Unido, chamado PREDICT-PD, utilizou um teste online onde a pessoa digitava num teclado e dependendo de como a pessoa digita (velocidade, tempo, coerência, etc.. ) é possível indicar quem estaria com maior risco de desenvolver a Doença de Parkinson.

Daqui pra frente, esta abordagem que foca no ser humano, e que é também menos desumana que aquela que foca em animais, poderá revelar novas formas de se estabelecer o diagnóstico precoce de Parkinson. Dados coletados de estudos anteriores feitos com seres humanos, e os estudos que estão ocorrendo atualmente com seres humanos, tornam os estudos feitos com animais redundantes e inúteis. Para se identificar as pessoas com alto risco de desenvolverem Parkinson,  já há métodos mais rápidos e com melhor custo-benefício do que aqueles utilizados em animais (que são caros e pouco eficazes). Com certeza será esta abordagem moderna, e não o pobre do mico espremido no cilindro transparente, que irá possibilitar identificar as pessoas com alto risco de desenvolverem Parkinson, antes mesmo que os tremores surjam. E aí teremos chances reais de começar a desenvolver formas para combater esta doença que acomete milhões de pessoas em todo o mundo.

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