Quem são e como vivem os povos da Amazônia

Série Aruanas traz para a telinha debate sobre garimpo e trabalho de ativistas na Amazônia


Por Maria Fernanda Ribeiro

Demorei para escrever sobre a série Aruanas, que estreou no começo do mês de julho na plataforma de streaming da Globoplay - em uma parceria entre Globo e Maria Farinha Filmes - e que traz uma parte da realidade amazônica do garimpo ilegal contada em dez episódios. A série tem no elenco as protagonistas Débora Falabella, Leandra Leal, Taís Araújo, Camila Pitanga e Thainá Duarte e tem a pretensão de ressaltar o debate sobre a conservação da biodiversidade ao manter a floresta em pé e de mostrar como o trabalho dos ativistas deve ser valorizado e seus profissionais devidamente protegidos. Debate que se faz cada vez mais necessário em um país onde o presidente da República deseja liberar o garimpo em Terras Indígenas e quando ocupamos o quarto lugar no ranking mundial de assassinatos de ativistas com ao menos 20 pessoas assassinadas em 2018, segundo último relatório da ONG Global Witness.

Não retratei o assunto antes porque não sou crítica de televisão e, principalmente, porque tenho me sentido inapta a escrever sobre a Amazônia depois de quase três anos rodando por suas comunidades e ouvindo as populações. É como se eu tivesse adquirido uma visão demasiadamente crítica e limitada sobre tudo o que é feito por pessoas que mal pisaram ali e que carregam, possivelmente, uma visão recortada. Tento me redimir disso com alguma frequência. Às vezes consigo, às vezes não.

Mas, as discussões nos grupos não paravam de chegar e decidi enfrentar a maratona da primeira temporada para não cair no ridículo de escrever sobre o que apenas pressuponho. Pedi um login emprestado para uma amiga - pois o conteúdo é só para assinantes - e lá fui eu passar o final de semana grudada na tela, indo de um capítulo para o outro na sequência e saindo de casa apenas para os intervalos das refeições.

continua após a publicidade

Mas para falar de Aruanas é necessário voltar um pouco no tempo. Ano passado, sem saber que a emissora preparava uma série sobre a Amazônia e ainda antes do resultado das eleições presidenciais, mas quando já sabíamos que momentos difíceis estavam por vir, fui convidada pelo Greenpeace, em São Paulo, a integrar uma manhã de conversa com uma equipe de mulheres jornalistas ambientais e Débora Falabella, que na série vive uma jornalista que divide seu tempo entre um programa de televisão e a ONG Aruanas, com o objetivo de auxiliá-la na caracterização da personagem.

O encontro aconteceu para contarmos a ela como desenvolvemos nosso trabalho na Amazônia, quais nossos medos e anseios, ameaças já sofridas, o que carregamos na mochila, como nos preparamos para encarar a floresta, como nos protegemos. Foi um bate-papo que nos trouxe grandes expectativas de como a série iria se desenrolar, afinal, depois de anos circulando pela floresta, ouvimos com alguma frequência em como as populações locais não se sentem representadas quando suas vidas são contadas nas telas, pois invariavelmente são tratadas como se somente as pessoas do Sudeste do país e suas instituições fossem capazes de salvar a Amazônia das suas mazelas, que vão da invasão de terras para o garimpo e extração de madeira, reforçando estereótipos da pobreza e da ignorância.

Pois bem, Aruanas é sim um pouco disso, das mulheres de São Paulo que deixam seus dramas pessoais para depois para salvar a Amazônia, mas como disse Taís Araújo durante o evento de lançamento, a série é entretenimento e, portanto, quase todos os "poréns" podem ser perdoados. E lhes digo que é entretenimento dos bons e protagonizado por mulheres, as super-heroínas que salvam a fictícia cidade de Cari de uma tragédia ambiental causada por uma das maiores mineradoras do país, que por trás da máscara da empresa boazinha que gera milhares de emprego em um município onde a população não poderia ter coisa melhor, abusa do poder sem escrúpulos.

continua após a publicidade

Nada de novo no fronte desse país chamado Brasil onde o Congresso aprova na surdina decretos e medidas provisórias que suspendem reservas ambientais - lembram da Renca? - e no qual o atual governo quer entregar a floresta aos mesmos tipos retratados na série, que se trajam de heróis do desenvolvimento enquanto a contaminação ambiental vai, literalmente, para debaixo dos leitos dos rios, causando danos muitas vezes irreversíveis à população local, que bebe daquela água e retira dali o seu próprio alimento. Sem contar as ameaças e mortes àqueles que a tentam proteger.

Em uma das falas do vilão Miguel, interpretado por Luiz Carlos Vasconcellos, ele deixa claro o pensamento que assola o Brasil atualmente, inclusive o do próprio presidente, que preparara uma Medida Provisória para liberar o garimpo em Terras Indígenas e que já tentou transferir a demarcação de terras da Funai para o Ministério da Agricultura: "Quem gosta de floresta é índio e celebridade. O povo gosta é de dinheiro e dinheiro não vai faltar."

Costumo dizer que a melhor forma de alguém criar empatia pela floresta é aproximar-se dela e como nem todas as pessoas podem simplesmente estar nela, Aruanas possibilita isso, ao mostrar um pedaço daquilo que é real e que acontece por lá. É ficção, é entretenimento, mas é assim que é e basta dar uma olhada nos noticiários e perceberá que, apesar de ter sido escrita e roteirizada antes das eleições presidenciais, não poderia ser mais atual.

continua após a publicidade

Uma pena que a série ainda só esteja disponível para assinantes, pois quem conhece o país sabe que acesso à internet é para poucos e bons e possível que as próprias comunidades amazônicas não conseguirão assistir  ao conteúdo de suas vidas - uma parte dele porque a Amazônia é mais do que isso - retratadas em grande elenco enquanto ele não for para a TV aberta, pois uma antena de televisão, isso sim tem nos rincões do país, o que torna muitas vezes aquele aparelho a única fonte de informação e também de entretenimento. Mas isso é outro assunto. No Brasil de terraplanistas e negacionistas climáticos, Aruanas é também um ato de resistência. Assistam.

*

Eu na Floresta

continua após a publicidade

Email: eunafloresta@gmail.com

Instagram: eunafloresta

Demorei para escrever sobre a série Aruanas, que estreou no começo do mês de julho na plataforma de streaming da Globoplay - em uma parceria entre Globo e Maria Farinha Filmes - e que traz uma parte da realidade amazônica do garimpo ilegal contada em dez episódios. A série tem no elenco as protagonistas Débora Falabella, Leandra Leal, Taís Araújo, Camila Pitanga e Thainá Duarte e tem a pretensão de ressaltar o debate sobre a conservação da biodiversidade ao manter a floresta em pé e de mostrar como o trabalho dos ativistas deve ser valorizado e seus profissionais devidamente protegidos. Debate que se faz cada vez mais necessário em um país onde o presidente da República deseja liberar o garimpo em Terras Indígenas e quando ocupamos o quarto lugar no ranking mundial de assassinatos de ativistas com ao menos 20 pessoas assassinadas em 2018, segundo último relatório da ONG Global Witness.

Não retratei o assunto antes porque não sou crítica de televisão e, principalmente, porque tenho me sentido inapta a escrever sobre a Amazônia depois de quase três anos rodando por suas comunidades e ouvindo as populações. É como se eu tivesse adquirido uma visão demasiadamente crítica e limitada sobre tudo o que é feito por pessoas que mal pisaram ali e que carregam, possivelmente, uma visão recortada. Tento me redimir disso com alguma frequência. Às vezes consigo, às vezes não.

Mas, as discussões nos grupos não paravam de chegar e decidi enfrentar a maratona da primeira temporada para não cair no ridículo de escrever sobre o que apenas pressuponho. Pedi um login emprestado para uma amiga - pois o conteúdo é só para assinantes - e lá fui eu passar o final de semana grudada na tela, indo de um capítulo para o outro na sequência e saindo de casa apenas para os intervalos das refeições.

Mas para falar de Aruanas é necessário voltar um pouco no tempo. Ano passado, sem saber que a emissora preparava uma série sobre a Amazônia e ainda antes do resultado das eleições presidenciais, mas quando já sabíamos que momentos difíceis estavam por vir, fui convidada pelo Greenpeace, em São Paulo, a integrar uma manhã de conversa com uma equipe de mulheres jornalistas ambientais e Débora Falabella, que na série vive uma jornalista que divide seu tempo entre um programa de televisão e a ONG Aruanas, com o objetivo de auxiliá-la na caracterização da personagem.

O encontro aconteceu para contarmos a ela como desenvolvemos nosso trabalho na Amazônia, quais nossos medos e anseios, ameaças já sofridas, o que carregamos na mochila, como nos preparamos para encarar a floresta, como nos protegemos. Foi um bate-papo que nos trouxe grandes expectativas de como a série iria se desenrolar, afinal, depois de anos circulando pela floresta, ouvimos com alguma frequência em como as populações locais não se sentem representadas quando suas vidas são contadas nas telas, pois invariavelmente são tratadas como se somente as pessoas do Sudeste do país e suas instituições fossem capazes de salvar a Amazônia das suas mazelas, que vão da invasão de terras para o garimpo e extração de madeira, reforçando estereótipos da pobreza e da ignorância.

Pois bem, Aruanas é sim um pouco disso, das mulheres de São Paulo que deixam seus dramas pessoais para depois para salvar a Amazônia, mas como disse Taís Araújo durante o evento de lançamento, a série é entretenimento e, portanto, quase todos os "poréns" podem ser perdoados. E lhes digo que é entretenimento dos bons e protagonizado por mulheres, as super-heroínas que salvam a fictícia cidade de Cari de uma tragédia ambiental causada por uma das maiores mineradoras do país, que por trás da máscara da empresa boazinha que gera milhares de emprego em um município onde a população não poderia ter coisa melhor, abusa do poder sem escrúpulos.

Nada de novo no fronte desse país chamado Brasil onde o Congresso aprova na surdina decretos e medidas provisórias que suspendem reservas ambientais - lembram da Renca? - e no qual o atual governo quer entregar a floresta aos mesmos tipos retratados na série, que se trajam de heróis do desenvolvimento enquanto a contaminação ambiental vai, literalmente, para debaixo dos leitos dos rios, causando danos muitas vezes irreversíveis à população local, que bebe daquela água e retira dali o seu próprio alimento. Sem contar as ameaças e mortes àqueles que a tentam proteger.

Em uma das falas do vilão Miguel, interpretado por Luiz Carlos Vasconcellos, ele deixa claro o pensamento que assola o Brasil atualmente, inclusive o do próprio presidente, que preparara uma Medida Provisória para liberar o garimpo em Terras Indígenas e que já tentou transferir a demarcação de terras da Funai para o Ministério da Agricultura: "Quem gosta de floresta é índio e celebridade. O povo gosta é de dinheiro e dinheiro não vai faltar."

Costumo dizer que a melhor forma de alguém criar empatia pela floresta é aproximar-se dela e como nem todas as pessoas podem simplesmente estar nela, Aruanas possibilita isso, ao mostrar um pedaço daquilo que é real e que acontece por lá. É ficção, é entretenimento, mas é assim que é e basta dar uma olhada nos noticiários e perceberá que, apesar de ter sido escrita e roteirizada antes das eleições presidenciais, não poderia ser mais atual.

Uma pena que a série ainda só esteja disponível para assinantes, pois quem conhece o país sabe que acesso à internet é para poucos e bons e possível que as próprias comunidades amazônicas não conseguirão assistir  ao conteúdo de suas vidas - uma parte dele porque a Amazônia é mais do que isso - retratadas em grande elenco enquanto ele não for para a TV aberta, pois uma antena de televisão, isso sim tem nos rincões do país, o que torna muitas vezes aquele aparelho a única fonte de informação e também de entretenimento. Mas isso é outro assunto. No Brasil de terraplanistas e negacionistas climáticos, Aruanas é também um ato de resistência. Assistam.

*

Eu na Floresta

Email: eunafloresta@gmail.com

Instagram: eunafloresta

Demorei para escrever sobre a série Aruanas, que estreou no começo do mês de julho na plataforma de streaming da Globoplay - em uma parceria entre Globo e Maria Farinha Filmes - e que traz uma parte da realidade amazônica do garimpo ilegal contada em dez episódios. A série tem no elenco as protagonistas Débora Falabella, Leandra Leal, Taís Araújo, Camila Pitanga e Thainá Duarte e tem a pretensão de ressaltar o debate sobre a conservação da biodiversidade ao manter a floresta em pé e de mostrar como o trabalho dos ativistas deve ser valorizado e seus profissionais devidamente protegidos. Debate que se faz cada vez mais necessário em um país onde o presidente da República deseja liberar o garimpo em Terras Indígenas e quando ocupamos o quarto lugar no ranking mundial de assassinatos de ativistas com ao menos 20 pessoas assassinadas em 2018, segundo último relatório da ONG Global Witness.

Não retratei o assunto antes porque não sou crítica de televisão e, principalmente, porque tenho me sentido inapta a escrever sobre a Amazônia depois de quase três anos rodando por suas comunidades e ouvindo as populações. É como se eu tivesse adquirido uma visão demasiadamente crítica e limitada sobre tudo o que é feito por pessoas que mal pisaram ali e que carregam, possivelmente, uma visão recortada. Tento me redimir disso com alguma frequência. Às vezes consigo, às vezes não.

Mas, as discussões nos grupos não paravam de chegar e decidi enfrentar a maratona da primeira temporada para não cair no ridículo de escrever sobre o que apenas pressuponho. Pedi um login emprestado para uma amiga - pois o conteúdo é só para assinantes - e lá fui eu passar o final de semana grudada na tela, indo de um capítulo para o outro na sequência e saindo de casa apenas para os intervalos das refeições.

Mas para falar de Aruanas é necessário voltar um pouco no tempo. Ano passado, sem saber que a emissora preparava uma série sobre a Amazônia e ainda antes do resultado das eleições presidenciais, mas quando já sabíamos que momentos difíceis estavam por vir, fui convidada pelo Greenpeace, em São Paulo, a integrar uma manhã de conversa com uma equipe de mulheres jornalistas ambientais e Débora Falabella, que na série vive uma jornalista que divide seu tempo entre um programa de televisão e a ONG Aruanas, com o objetivo de auxiliá-la na caracterização da personagem.

O encontro aconteceu para contarmos a ela como desenvolvemos nosso trabalho na Amazônia, quais nossos medos e anseios, ameaças já sofridas, o que carregamos na mochila, como nos preparamos para encarar a floresta, como nos protegemos. Foi um bate-papo que nos trouxe grandes expectativas de como a série iria se desenrolar, afinal, depois de anos circulando pela floresta, ouvimos com alguma frequência em como as populações locais não se sentem representadas quando suas vidas são contadas nas telas, pois invariavelmente são tratadas como se somente as pessoas do Sudeste do país e suas instituições fossem capazes de salvar a Amazônia das suas mazelas, que vão da invasão de terras para o garimpo e extração de madeira, reforçando estereótipos da pobreza e da ignorância.

Pois bem, Aruanas é sim um pouco disso, das mulheres de São Paulo que deixam seus dramas pessoais para depois para salvar a Amazônia, mas como disse Taís Araújo durante o evento de lançamento, a série é entretenimento e, portanto, quase todos os "poréns" podem ser perdoados. E lhes digo que é entretenimento dos bons e protagonizado por mulheres, as super-heroínas que salvam a fictícia cidade de Cari de uma tragédia ambiental causada por uma das maiores mineradoras do país, que por trás da máscara da empresa boazinha que gera milhares de emprego em um município onde a população não poderia ter coisa melhor, abusa do poder sem escrúpulos.

Nada de novo no fronte desse país chamado Brasil onde o Congresso aprova na surdina decretos e medidas provisórias que suspendem reservas ambientais - lembram da Renca? - e no qual o atual governo quer entregar a floresta aos mesmos tipos retratados na série, que se trajam de heróis do desenvolvimento enquanto a contaminação ambiental vai, literalmente, para debaixo dos leitos dos rios, causando danos muitas vezes irreversíveis à população local, que bebe daquela água e retira dali o seu próprio alimento. Sem contar as ameaças e mortes àqueles que a tentam proteger.

Em uma das falas do vilão Miguel, interpretado por Luiz Carlos Vasconcellos, ele deixa claro o pensamento que assola o Brasil atualmente, inclusive o do próprio presidente, que preparara uma Medida Provisória para liberar o garimpo em Terras Indígenas e que já tentou transferir a demarcação de terras da Funai para o Ministério da Agricultura: "Quem gosta de floresta é índio e celebridade. O povo gosta é de dinheiro e dinheiro não vai faltar."

Costumo dizer que a melhor forma de alguém criar empatia pela floresta é aproximar-se dela e como nem todas as pessoas podem simplesmente estar nela, Aruanas possibilita isso, ao mostrar um pedaço daquilo que é real e que acontece por lá. É ficção, é entretenimento, mas é assim que é e basta dar uma olhada nos noticiários e perceberá que, apesar de ter sido escrita e roteirizada antes das eleições presidenciais, não poderia ser mais atual.

Uma pena que a série ainda só esteja disponível para assinantes, pois quem conhece o país sabe que acesso à internet é para poucos e bons e possível que as próprias comunidades amazônicas não conseguirão assistir  ao conteúdo de suas vidas - uma parte dele porque a Amazônia é mais do que isso - retratadas em grande elenco enquanto ele não for para a TV aberta, pois uma antena de televisão, isso sim tem nos rincões do país, o que torna muitas vezes aquele aparelho a única fonte de informação e também de entretenimento. Mas isso é outro assunto. No Brasil de terraplanistas e negacionistas climáticos, Aruanas é também um ato de resistência. Assistam.

*

Eu na Floresta

Email: eunafloresta@gmail.com

Instagram: eunafloresta

Demorei para escrever sobre a série Aruanas, que estreou no começo do mês de julho na plataforma de streaming da Globoplay - em uma parceria entre Globo e Maria Farinha Filmes - e que traz uma parte da realidade amazônica do garimpo ilegal contada em dez episódios. A série tem no elenco as protagonistas Débora Falabella, Leandra Leal, Taís Araújo, Camila Pitanga e Thainá Duarte e tem a pretensão de ressaltar o debate sobre a conservação da biodiversidade ao manter a floresta em pé e de mostrar como o trabalho dos ativistas deve ser valorizado e seus profissionais devidamente protegidos. Debate que se faz cada vez mais necessário em um país onde o presidente da República deseja liberar o garimpo em Terras Indígenas e quando ocupamos o quarto lugar no ranking mundial de assassinatos de ativistas com ao menos 20 pessoas assassinadas em 2018, segundo último relatório da ONG Global Witness.

Não retratei o assunto antes porque não sou crítica de televisão e, principalmente, porque tenho me sentido inapta a escrever sobre a Amazônia depois de quase três anos rodando por suas comunidades e ouvindo as populações. É como se eu tivesse adquirido uma visão demasiadamente crítica e limitada sobre tudo o que é feito por pessoas que mal pisaram ali e que carregam, possivelmente, uma visão recortada. Tento me redimir disso com alguma frequência. Às vezes consigo, às vezes não.

Mas, as discussões nos grupos não paravam de chegar e decidi enfrentar a maratona da primeira temporada para não cair no ridículo de escrever sobre o que apenas pressuponho. Pedi um login emprestado para uma amiga - pois o conteúdo é só para assinantes - e lá fui eu passar o final de semana grudada na tela, indo de um capítulo para o outro na sequência e saindo de casa apenas para os intervalos das refeições.

Mas para falar de Aruanas é necessário voltar um pouco no tempo. Ano passado, sem saber que a emissora preparava uma série sobre a Amazônia e ainda antes do resultado das eleições presidenciais, mas quando já sabíamos que momentos difíceis estavam por vir, fui convidada pelo Greenpeace, em São Paulo, a integrar uma manhã de conversa com uma equipe de mulheres jornalistas ambientais e Débora Falabella, que na série vive uma jornalista que divide seu tempo entre um programa de televisão e a ONG Aruanas, com o objetivo de auxiliá-la na caracterização da personagem.

O encontro aconteceu para contarmos a ela como desenvolvemos nosso trabalho na Amazônia, quais nossos medos e anseios, ameaças já sofridas, o que carregamos na mochila, como nos preparamos para encarar a floresta, como nos protegemos. Foi um bate-papo que nos trouxe grandes expectativas de como a série iria se desenrolar, afinal, depois de anos circulando pela floresta, ouvimos com alguma frequência em como as populações locais não se sentem representadas quando suas vidas são contadas nas telas, pois invariavelmente são tratadas como se somente as pessoas do Sudeste do país e suas instituições fossem capazes de salvar a Amazônia das suas mazelas, que vão da invasão de terras para o garimpo e extração de madeira, reforçando estereótipos da pobreza e da ignorância.

Pois bem, Aruanas é sim um pouco disso, das mulheres de São Paulo que deixam seus dramas pessoais para depois para salvar a Amazônia, mas como disse Taís Araújo durante o evento de lançamento, a série é entretenimento e, portanto, quase todos os "poréns" podem ser perdoados. E lhes digo que é entretenimento dos bons e protagonizado por mulheres, as super-heroínas que salvam a fictícia cidade de Cari de uma tragédia ambiental causada por uma das maiores mineradoras do país, que por trás da máscara da empresa boazinha que gera milhares de emprego em um município onde a população não poderia ter coisa melhor, abusa do poder sem escrúpulos.

Nada de novo no fronte desse país chamado Brasil onde o Congresso aprova na surdina decretos e medidas provisórias que suspendem reservas ambientais - lembram da Renca? - e no qual o atual governo quer entregar a floresta aos mesmos tipos retratados na série, que se trajam de heróis do desenvolvimento enquanto a contaminação ambiental vai, literalmente, para debaixo dos leitos dos rios, causando danos muitas vezes irreversíveis à população local, que bebe daquela água e retira dali o seu próprio alimento. Sem contar as ameaças e mortes àqueles que a tentam proteger.

Em uma das falas do vilão Miguel, interpretado por Luiz Carlos Vasconcellos, ele deixa claro o pensamento que assola o Brasil atualmente, inclusive o do próprio presidente, que preparara uma Medida Provisória para liberar o garimpo em Terras Indígenas e que já tentou transferir a demarcação de terras da Funai para o Ministério da Agricultura: "Quem gosta de floresta é índio e celebridade. O povo gosta é de dinheiro e dinheiro não vai faltar."

Costumo dizer que a melhor forma de alguém criar empatia pela floresta é aproximar-se dela e como nem todas as pessoas podem simplesmente estar nela, Aruanas possibilita isso, ao mostrar um pedaço daquilo que é real e que acontece por lá. É ficção, é entretenimento, mas é assim que é e basta dar uma olhada nos noticiários e perceberá que, apesar de ter sido escrita e roteirizada antes das eleições presidenciais, não poderia ser mais atual.

Uma pena que a série ainda só esteja disponível para assinantes, pois quem conhece o país sabe que acesso à internet é para poucos e bons e possível que as próprias comunidades amazônicas não conseguirão assistir  ao conteúdo de suas vidas - uma parte dele porque a Amazônia é mais do que isso - retratadas em grande elenco enquanto ele não for para a TV aberta, pois uma antena de televisão, isso sim tem nos rincões do país, o que torna muitas vezes aquele aparelho a única fonte de informação e também de entretenimento. Mas isso é outro assunto. No Brasil de terraplanistas e negacionistas climáticos, Aruanas é também um ato de resistência. Assistam.

*

Eu na Floresta

Email: eunafloresta@gmail.com

Instagram: eunafloresta

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.