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Quem são e como vivem os povos da Amazônia

Pela Amazônia, todo destino é uma jornada de paciência e resignação

Por Maria Fernanda Ribeiro
Atualização:
Barco com passageiros navegando pelo rio Amazonas: paisagem monocromática Foto: Estadão

Um amigo morador de Rio Branco, a capital do Acre, postou esses dias no Facebook que sempre que recebe uma dessas promoções de agências de viagem no email com o alerta que "só faltava este email para você arrumar sua mala", ele tem vontade de responder: amigos, isso aqui é o Acre e, além do seu email, eu preciso de uns dois ou três mil reais só para comprar a passagem. Outra acreana respondeu: esses e-mails destroem meus sonhos todos os dias.

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Uma moradora de Macapá, a capital do Amapá, disse algo parecido. Para eles não há muitas possibilidades para conhecer o exterior, pois só para ir a um dos aeroportos com voos internacionais já teriam que desembolsar o equivalente a uma passagem para a Europa. "É muito mais viável viajar para o Nordeste, de ônibus, ou pegar um barco para algum canto em que a gente chegue de barco."

Ambos mencionaram apenas o custo, mas deixar alguns dos estados do Norte para chegar ao Sudeste ou mesmo viajar pela região exige muito mais do que dinheiro. Exige tempo. Muito tempo. Um exemplo: Rio Branco-Porto Velho-Porto Velho-Brasília-Brasília-São Paulo. Esse é o itinerário de um voo da Gol para deixar a capital do Acre e chegar até a metrópole. Oito horas de viagem. Uma parada e uma conexão. O preço da passagem? R$ 890 o trecho.

Segunda situação. Deixar Macapá, a capital do Amapá, para ir a Rio Branco, pela mesma companhia aérea e a que coincidentemente oferecia os melhores preços no momento, dificilmente sai por menos de R$ 1,5 mil, com uma parada em Belém, uma conexão em Brasília e outra parada em Porto Velho. 

No segundo caso, como havia tempo disponível, a opção - a minha - foi pegar um barco até Belém, a capital do Pará, por R$ 140 a passagem e 24 horas de viagem para depois um voo até Rio Branco, com uma conexão em Brasília e uma parada em Porto Velho. Duração do voo: nove horas e 20 minutos. Valor: R$ 678. Ou seja, a companhia cobra quase mil reais só para deixar a capital.

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Sair da Amazônia ou circular por ela parece sempre ser uma volta ao mundo dentro do seu próprio mundo. Uma odisseia aérea, fluvial e terrestre. 

Não que os moradores desses estados amazônicos não estejam acostumados. Para chegar até a cidade de São Gabriel da Cachoeira, no alto Rio Negro, por exemplo, são três dias de barco a partir de Manaus, a capital do Amazonas. E o deslocamento é necessário e corriqueiro e custa R$ 300 por trecho. Os passageiros são transportados em redes que ficam coladas umas as outras e se a maré estiver forte, as redes se chocam até que volte a calmaria. A refeição é servida no barco e o banho também é ali mesmo. É possível reduzir essa distância se você tiver R$ 656 para desembolsar em um dos dois voos semanais que a MAP Linhas Aéreas realiza.

E a viagem dificilmente tem a ver com diversão. Geralmente estão relacionadas a problemas bancários - lá só tem uma agência do Banco do Brasil e outra do Bradesco -, comprar uma peça para o carro que quebrou, ir ao médico ou estudar.

Redes em barco que seguia de São Gabriel da Cachoeira até Manaus: três dias de viagem Foto: Estadão

Em Barcelos, município também localizado na região do Alto Rio Negro, não há pista de pouso e só é possível chegar ou sair de lá de barco, que também passa dois ou três dias por semana e demora de 12 a 24 horas para percorrer 405 quilômetros, o que depende da potência do motor do barco e das águas. Uma professora que me acompanhava nessa viagem havia perdido o velório do pai. "Não tinha como eu sair daqui. Estamos literalmente ilhados. Não era dia de barco, não tem voo e fiquei aqui enquanto meu pai era enterrado."

Vista da cidade de Barcelos, no alto Rio Negro, onde só é possível chegar de barco Foto: Estadão

Exemplos não faltam. E isso porque nem começamos a falar sobre as estradas que ligam cidades isoladas a polos importantes, como os 590 quilômetros pela BR-156 que conecta Macapá ao Oiapoque que, no inverno Amazônico, o período das chuvas em abundância, pode se tornar intransponível. Os últimos 100 quilômetros, que não são asfaltados, pode ser o suficiente para que a viagem dure cerca de 20 horas ou mais, o que seria possível percorrer em sete horas quando a estrada está boa. Ou seja, quando não chove.

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Há quem diga que morar nesses municípios isolados é uma opção. Em alguns casos, sim, mas em outros posso assegurar que é exatamente a falta dela que os mantém ali.

Moto atolada na BR-364 em trecho que liga o município de Feijó a Tarauacá Foto: Estadão

Mas quem anda pelas bandas de cá aprende logo que o tempo já não é mais aquele do relógio e não está sob seu controle. O destino pela Amazônia não é simplesmente um local de chegada, mas sim o fim de uma jornada com o objetivo de encurtar distâncias geográficas. E um caminho para retomar bens que pensava já ter esquecido, como a paciência, a resistência e a resignação.

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