Como relembrar é viver, importante deixar grifado que a ignorância revestida de indiferença foi proferida antes mesmo de as queimadas na Amazônia ganharem os céus de São Paulo transformando o dia em noite e as cinzas da ação ligada a um governo que tem como lema destruir ao invés de preservar, gerar reações até mesmo no agronegócio, setor que invariavelmente era considerado o vilão na destruição da floresta e agora integra a lista daqueles que defendem que ela em pé é melhor do que derrubada.
Ricardo Salles menosprezou um dos maiores ambientalistas do Brasil, um cidadão brasileiro assassinado a tiros na cidade de Xapuri, no Acre, em dezembro de 1988. Morto porque atuava pela defesa da floresta. Nada de novo no fronte no país que já ocupou o primeiro lugar no ranking de lugares onde mais são assassinados ativistas no mundo.
Agora, o discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU, na semana passada, continua sendo tema das rodas de conversa mundo afora. E nem vamos entrar no mérito - nesse texto - de ele ter levado a indígena Ysani Kalapalo para compor a comitiva presidencial, num movimento alegórico e contraditório de tentar dizer ao mundo que os povos indígenas estão de acordo com sua política (anti) indigenista, deixando claro que de índio o presidente nada ou pouco entende. Se tivesse alguma noção saberia como funciona a escolha de um representante entre os povos indígenas. Antes de qualquer coisa é preciso escuta.
O discurso do presidente na ONU, além das fantasiosas elucubrações sobre o comunismo, o socialismo e o foro de São Paulo, foi contra tudo o que já se tinha visto até hoje ao usar tal espaço para atacar a atuação do cacique Raoni Kayapó, de 88 anos, reconhecido internacionalmente há décadas por ser um dos maiores defensores da floresta, com a bravata de que "o monopólio do senhor Raoni acabou." Mais uma vez um cidadão brasileiro que mereceria o mínimo de respeito e reconhecimento é tratado sem nenhum. Raoni concorre ao Nobel da Paz e na bolsa de apostas londrina aparece em terceiro lugar entre os favoritos.
O escritor russo Tolstoi, durante a redação da segunda edição do seu livro sobre a criação do calendário da sabedoria, em 1904, escreveu que estava cada vez mais atônito ante a ignorância cultural e moral da sociedade. "Toda nossa educação deveria ser orientada para o acúmulo da herança cultural de nossos ancestrais, os melhores pensadores do mundo", escreveu. Aqui no Brasil, caro Tolstoi, também estamos cada vez mais atônitos. Tudo vai mal.