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Vegetação nativa protegida em propriedades rurais gera serviços avaliados em R$ 6 tri ao ano

Análise endossada por mais de 400 pesquisadores brasileiros estima o valor dos diversos serviços prestados pelas florestas e matas, como captacão de água e regulação do clima, e se contrapõe a projetos de lei que preveem a extinção da Reserva Legal

Por Giovana Girardi
Atualização:

As áreas de vegetação nativa preservadas dentro de propriedades privadas do País - a chamada Reserva Legal - geram por ano serviços ambientais da ordem de R$ 6 trilhões. Este é o valor estimado de benefícios econômicos que a mata fornece para a sociedade, mas também para os próprios produtores rurais, como a captação de água doce, a regulação climática, a polinização e o controle de pragas.

O cálculo, publicado na última edição da revista Perspectives in Ecology and Conservation, foi endossado por um grupo de 407 cientistas brasileiros de 79 instituições de ensino superior e pesquisa do País.

Vista aérea de propriedade rural no Mato Grosso em área desmatada Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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É a resposta científica para a uma série de projetos de lei da bancada ruralista que pretendem mudar ou mesmo eliminar a existência da Reserva Legal, como é o caso de uma proposta feita pelos senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente Bolsonaro, e Marcio Bittar (MDB-AC).

A regra, prevista no Código Florestal, estabelece que proprietários rurais têm de preservar uma parcela de seus imóveis que varia conforme a região onde se encontrar. Vai de 80%, para as terras privadas na Amazônia, a 35% na transição entre Cerrado e Amazônia e 20% nos demais biomas (Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal e Pampa).

Apesar de diversos estudos já terem mostrado a importância dessas áreas tanto para a conservação da biodiversidade quanto para os serviços que a vegetação presta, os cientistas resolveram estimar uma valor financeiro para esses benefícios. A ideia foi avaliar o que poderia ser perdido se a Reserva Legal deixar de existir e essa vegetação vier a desmatada.

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A análise considerou estudos anteriores da Esalq/USP que apontaram quanto hoje está protegido como Reserva Legal - cerca de 167 milhões de hectares, ou 29% de toda a vegetação nativa remanescente no País. Se essa regra deixasse de existir, é como se uma área de vegetação do tamanho de Itália, Alemanha, França e Espanha somadas pudesse ser desmatada.

Isso somada à área onde hoje já é permitido desmatar, mas ainda está de pé, a quantidade de vegetação desprotegida seria equivalente ao tamanho da Argentina (270 milhões de hectares). Uma eventual perda disso tudo comprometeria os serviços estimados nos R$ 6 trilhões.

Para chegar a esse valor, explica o ecólogo Jean Paul Metzger, da USP, que encabeçou a análise, foram considerados 17 tipos de serviços. "Os críticos em geral só pensam que a Reserva Legal está atrapalhando o desenvolvimento do Brasil, que a agropecuária não poderia abrir mão dessa área. Mas a mensagem dessa análise é que essas áreas já prestam uma porção de serviços de regulação climática, polinização, controle de praga", afirma.

"Elas proveem água para a agricultura, para o consumo humano, para abastecer hidrelétricas. Fora os serviços recreativos, culturais, de beleza cênica", complementa o pesquisador.

A vegetação contribui com o clima do planeta - ao capturar carbono da atmosfera -, com os climas regionais, ao interagir com a atmosfera. Além do que é possível conseguir com uma extração sustentável de recursos dessa vegetação, como madeira, fibras, frutos.

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"Muitas vezes nem se percebe, mas vale percebe, mas vale mais manter, pensando em todos os serviços que essa vegetação presta à sociedade, do que privatizar o lucro que pode ter com aquela terra para alguns poucos proprietários", diz Metzger.

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Endosso da comunidade acadêmica

O estudo foi publicado com o peso de um manifesto da comunidade acadêmica brasileira contra a mudança da legislação. Entre os signatários estão alguns dos melhores cientistas ligados à área ambiental do País, como o climatologista Carlos Nobre e o físico Paulo Artaxo, da USP, os biólogos Carlos Joly, da Unicamp, e Mauro Galetti, da Unesp. Entre as autoras, estão as biólogas Mercedes Bustamante, da UnB, e Joice Ferreira, da Embrapa.

De acordo com os cientistas, a extinção da Reserva Legal tem pode impactar a produção econômica presente e futura do País e ainda afetar a capacidade do País de lidar com as mudanças climáticas.

"Os benefi?cios das reservas legais para a sociedade, em termos de preservação da biodiversidade, bem-estar para as pessoas e apoio para a economia, na?o podem ser substitui?dos pelas APPs (áreas de preservação permanente, como margens de rios) e pelas unidades de conservação, que te?m objetivos e funço?es distintos das reservas legais. Devido a? sua extensa?o e distribuiça?o espacial em todos os biomas e regio?es, as reservas legais sa?o de crucial importa?ncia para a ampla provisa?o de serviços ecossiste?micos ao longo da paisagem e para o crescimento sauda?vel e sustenta?vel do Brasi", escrevem os autores.

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