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Pinguelli deixa fórum do clima por discordar de impeachment

O físico Luiz Pinguelli Rosa, que desde 2004 era o secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, enviou e-mail a Temer pedindo desligamento do cargo por não concordar com o afastamento de Dilma Rousseff. Em entrevista ao Estado, ele explica seus motivos e analisa a gestão Dilma para o clima

Por Giovana Girardi
Atualização:

Atualizado às 18h55

O físico Luiz Pinguelli Rosa, que desde 2004 atuava como secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, pediu desligamento do cargo na última quinta-feira, 12, depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Em carta enviada ao presidente em exercício, Michel Temer, explicou que se recusava a continuar no cargo.

Reunião ordinária do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas com Dilma e Pinguelli em abril de 2012. Crédito: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Foto: Estadão

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"Reputo de injusto o afastamento da Presidente da República pelo Congresso Nacional com a conivência do Supremo Tribunal Federal, pois não se provou qualquer crime de responsabilidade como estabelece a Constituição", escreveu em mensagem enviada ao e-mail institucional da vice-presidência.

Ele lembrou que foi nomeado ao cargo em 2004 pelo então presidente Lula e foi mantido por Dilma. "O Fórum teve várias reuniões com o Presidente da República e Ministros apresentando sugestões que foram incorporadas no Plano Nacional de Mudanças Climáticas e na Lei Nacional sobre Mudanças Climáticas, bem como contribuiu para o Compromisso do Brasil na Conferência do Clima da ONU. No momento, o Fórum estava discutindo as propostas para o Plano de Adaptação nos diversos setores em ligação direta com a Ministra do Meio Ambiente", disse.

O órgão, formado por cientistas de diversos áreas de clima, foi criado em 2000 por Fernando Henrique e teve uma função de destaque especialmente durante o governo Lula para a formulação de políticas de combate às mudanças climáticas.

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Professor emérito da Coppe, o instituto de pós-graduação e pesquisa em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pinguelli foi presidente da Eletrobras no primeiro governo de Lula.

Em entrevista ao Estado, o pesquisador explicou sua decisão. "Não estou fazendo nenhum juízo de valor sobre o governo Temer, mas o fórum é diretamente ligado ao presidente da República e eu não concordo com a mudança dessa forma. Não é uma questão de Dilma, mas de princípio", disse.

"A tal pedalada é mal definida. Usar verba de banco público que depois é coberto em prazo pequeno é uma trivialidade que qualquer administrador já fez algo parecido. Para falar em crime tem de ser uma coisa séria, tem de ter materialidade, como agir de má fé ou se apropriar de recursos públicos. Quem fez isso foram outros no Congresso e o Supremo Tribunal Federal se fez de bobo. Não me sinto bem em cooperar no nível com o presidente", complementou.

Mesmo presidindo o fórum, Dilma levou mais de um ano para participar de sua primeira reunião, ainda na primeira gestão, em abril de 2012. Na ocasião, causou polêmica ao dizer, às vésperas da realização da conferência Rio+20, que o evento não iria "discutir a fantasia" das energias renováveis.

"Ninguém numa conferência dessas também aceita, me desculpem, discutir a fantasia. Eu tenho que explicar para as pessoas como é que elas vão comer, como é que elas vão ter acesso à água, como é que elas vão ter acesso à energia. Eu não posso falar: "olha é possível só com eólica de iluminar o planeta". Não é. Só com solar, de maneira alguma."

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Pinguelli contemporizou o começo meio torto e disse que hoje a situação é outra. "Tivemos problema com etanol, com biodiesel, porque a política energética não foi muito boa, estimulou muito o uso da gasolina em detrimento do etanol. Mas eólica cresceu bastante. A geração já equivale à (que será produzida por) Belo Monte."

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Veja a seguir a íntegra da entrevista:

O que fez o senhor tomar essa decisão?

Não estou fazendo nenhum juízo de valor sobre o governo Temer, mas o fórum é diretamente ligado ao presidente da República e eu não concordo com a mudança dessa forma. Não é uma questão do governo da Dilma, mas de princípio. A tal pedalada é mal definida.O fato de ter um uso de verba de banco público que depois é coberto em prazo pequeno é uma trivialidade que qualquer administrador faz algo parecido. Não significa um crime. Crime é uma coisa séria, tem de ter materialidade, como agir de má fé ou se apropriar indevidamente de recursos públicos. Quem fez isso foram outros que participaram do processo no Congresso. E o Supremo Tribunal Federal se fez de bobo. Não atuou no caso Eduardo Cunha, que se empenhou no processo de impeachment. O STF tinha desde dezembro uma denúncia contra ele do procurador-geral da República e deixou para fazer valer depois de Dilma já ter sofrido a condenação pela Câmara, o que dá uma intenção suspeita ao supremo. Não me sinto bem em continuar cooperando porque minha ligação como secretário do fórum é com o presidente do Fórum, que é o presidente da República. Não na qualidade de um assessor direto do presidente. Espero que outra pessoa mais afinada com esse governo do que eu vá para esse lugar.

Qual é a avaliação que o senhor faz da gestão Dilma em relação às mudanças climáticas?

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Eu não posso dizer que o governo Dilma foi muito atuante na questão climática. Acho que o do Lula foi mais. Por causa, particularmente, da intervenção do Brasil na Conferência (do Clima da ONU) de Copenhague (em 2009) e da elaboração do Plano e da Lei Nacional de Mudanças Climáticas, para o qual o fórum foi muito chamado para ajudar. No momento o fórum estava fazendo uma série de debates mais ligados ao Ministério do Meio Ambiente sobre a questão dos planos de adaptação à mudança climática. E fizemos também, para a conferência de Paris, um estudo em cooperação com colegas de universidades em que fizemos um cenário futuro, de modelagem climática aqui da Coppe, sobre a mudança climática que foi aproveitado na discussão em Paris. Fórum teve uma atividade menor no governo Dilma em relação ao governo Lula, mas não era nula.

O Brasil foi bastante elogiado por sua atuação na costura do Acordo de Paris. Como o sr. viu esse momento?

Acho que a Izabella (Teixeira, ministra do Meio Ambiente em todo o governo Dilma) teve uma presença muito atuante na conferência do clima e o fórum acabou tornando-se mais próxima da Izabella (do que da Dilma). Inclusive na conferência de Paris, foi ela que participou da reunião do fórum. Dilma se afastou, mas Izabella não. Na prática, embora o Fórum continuasse ligado à presidente Dilma no organograma, ficamos mais próximo do Ministério do Meio Ambiente. Não era uma função remunerada. Era voltada para atrais ONGs, acadêmicos, mesmo os setores empresariais para a discussão de problemas concretos da questão internacional da mudança climática. Isso foi feito o tempo todo. Até poucos meses atrás, no fim de 2015, houve essas reuniões. Aí houve um interregno com essa crise profunda que o Brasil atravessa.

Nos últimos dias da gestão Dilma, o ministério do Meio Ambiente correu para aproveitar os últimos momentos e lançou uma série de boas ações para o ambiente, inclusive o Plano Nacional de Adaptação, que era esperado desde o ano passado.. O que o sr. achou disso?

Acho que esse movimento foi bom, deixou uma contribuição concreta. O PNA avança, melhora a situação. É preciso lembrar que o Brasil tem climas diferentes de acordo com a região e pode haver enormes impactos, não só nos fenômenos atmosféricos, que afetam o ambiente e as populações, como enchentes, ventos muito fortes, como também a produção agrícola, que depende muito do clima. Mas é verdade que foi meio corrido. Ele é uma contribuição que reuniu o que já tinha à mão, embora pudesse avançar mais. Mas não impede que o novo governo faça isso. O que foi feito é o que tinha à mão. Acho que o governo tinha uma perspectiva de se prolongar um pouco mais para a elaboração desse plano e foi abreviado.

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Qual é a expectativa do senhor sobre o novo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, e para a questão climática na nova gestão.

Ele já foi ministro, né? Faço votos para que faça boa gestão. A expectativa é que tenha boa gestão, ele tem condições para isso, tem interesse nessa área. Já estive com ele muitas vezes discutindo questões da mudança climática. Mas me sentia mais identificado com a gestão Dilma. A própria Izabella foi nossa aluna aqui no doutorado da Coppe. Havia uma proximidade maior. Quanto à política do clima, vamos ver. O Sarney Filho tem pedigree de meio ambiente. Mas o ministro de Minas e Energia (Fernando Filho) é um ilustre desconhecido, é de outro ramo, não tem nada a ver.

O governo Dilma teve como bandeira o pré-sal, investindo mais em combustíveis fósseis que em renováveis, enquanto há uma expectativa mundial de descarbonização até o final do século. O sr. esteve à frente de discussões sobre o futuro energético. Como o sr. vê essa questão?

Acho que o Brasil ainda vai usar petróleo por um tempo, mas tem de reduzir, e isso já tem feito usando biocombustível, que já ultrapassou 40% do total de combustíveis. Mas não está tudo perfeito. Tivemos problema com etanol, com biodiesel, porque a política energética não foi muito boa, estimulou muito o uso da gasolina em detrimento do etanol. O preço da gasolina foi colocado abaixo do preço de importação. Houve uma retomada do etanol por volta de 2003 e 2004 com os carros flex e isso permitiu um aumento grande do consumo do etanol. Mas com o estímulo de preço baixo da gasolina, o etanol perdeu a competitividade, houve uma certa redução do consumo.

E nesse momento se discute na Câmara que carro leve use diesel no Brasil.

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Isso é ruim. O que devia ser feito era incentivar os carros híbridos (combustível + elétrico), que ainda são muito caros. Devia haver uma política de compensações e redução desse preço.

As metas brasileiras ao Acordo de Paris também não trazem um aumento significativo do uso de etanol e biocombustíveis (prevê uma participação de 16% de etanol na matriz energética total do País até 2025).

Não é uma participação pequena, mas de fato não tem um grande aumento. Concordo que para o futuro, talvez 2040 em diante, deva aumentar, mas para 2020 é mais difícil mudar a tendência porque energia tem uma inércia muito grande. Depois pode aumentar muito. Mas isso depende da política e ultimamente a política não foi muito favorável ao biocombustível. A gente fez a crítica perante a presidente Dilma. Mostramos essa preocupação. Uso de energia eólica cresceu bastante, já igualou à de Belo Monte. Mas infelizmente a de térmica também cresceu por causa das crises hídricas.

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