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Pecuária verde aumenta PIB, mas ainda rende pouco para produtor

Estudo da FGV avalia quanto custa cumprir metas de recuperar 15 milhões de hectares de pastagens e fazer integração com florestas; só a primeira ação ainda é inviável economicamente, mas melhora quando a segunda é incluída; ganhos ambientais, no entanto, são consideráveis, o que demanda novas formas de financiamento

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Por Giovana Girardi
Atualização:

Rio de Janeiro - A premissa é simples: recuperar pastagens degradadas é bom para o ambiente - uma vez que permite reutilizar um solo que de outro modo seria abandonado, o que incentivaria o desmatamento de novas áreas - e é bom para o produtor, já que um pasto revitalizado pode abrigar uma quantidade maior de gado, aumentando os ganhos. Essa é a ideia que está por trás de uma das metas com as quais o Brasil se comprometeu junto ao acordo do clima de Paris: recuperar 15 milhões de hectares de pastagens até 2030.

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Um estudo recém-lançado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (GVCes) mostra, porém, que isso pode não ser tão simples de ser cumprido porque a conta para o produtor de gado de corte, considerando modelos atuais de negócio, pode não ser economicamente viável.

Apesar de ter potencial para levar a um aumento do PIB do País de 2,7% em 2030 - R$ 145 bilhões a mais na comparação com o PIB de 2015, o retorno para o produtor, dependendo das circunstâncias, pode ser negativo, o que inibiria as ações. O que sugere que o governo vai precisar pensar em novos modelos de financiamento para cumprir suas metas, melhorando a execução de seu maior instrumento para isso, o programa Agricultura de Baixo Carbono, que prevê financiamento para projetos que visem reduzir as emissões do campo, como a recuperação de pastagens.

A pesquisadora Annelise Vendramini, coordenadora do programa de finanças sustentáveis do GVCes e uma das líderes do estudo, explica que este é um estudo preliminar, uma primeira tentativa de responder quanto custaria cumprir a meta. Análises de fluxo de caixa considerando expectativas altas de taxa de retorno por ano (10%) e abate do boi não muito gordo (15 arrobas) - em geral, o modelo médio adotado no Brasil - mostraram que a atividade não é muito vantajosa.

Isso melhora, diz ela, se for considerada uma taxa de atratividade menor (6%) e o abate de animais num peso mais alto (18,5 arrobas). Para as contas foram consideradas tanto a meta de Paris quanto uma meta anterior, do Plano ABC, de 2010, que estabeleceu a recuperação de outros 15 milhões de hectares de pastagem degradada até 2020. Calcula-se que até agora menos de 2 milhões foram realizados.

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A situação de viabilidade financeira melhora ainda mais, avaliou o estudo, se depois de recuperada a pastagem, o produtor adotar também um sistema que integre a pecuária com florestas - plantio de árvores que possam ser manejadas para o comércio de madeira. Aí o que era só retorno negativo passa a ser positivo, chegando a 9%.

"É um primeiro exercício de colocar essas questões todas na conta. São cenários que precisam ser aperfeiçoados e regionalizados. Se todo mundo tivesse fazendo dessa maneira não teria rentabilidade para o produtor. Mas sabemos que tem gente que tem feito e alcançado lucro e gente que não tem", afirma a pesquisadora.

O estudo, encomendado ao GVCes pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, foi lançado na manhã desta quinta-feira, 2, no Rio de Janeiro.

Um é pouco, dois é bom... Atualmente estima-se que metade das pastagens do Brasil (que ocupam cerca de 180 milhões de hectares) está em processo de degradação ou já completamente degradada. E que a em média são campos com baixa produtividade, menos de uma cabeça por hectare, segundo o último censo agropecuário, de 2006. Para recuperar o pasto, é preciso investir no solo, em forragem, mas com mais grama verde, é possível ter mais gado. Por outro lado, o gado emite gás metano no seu processo de fermentação, o que piora o efeito estufa. Então para ser viável para o clima - objetivo primário da meta -, o ideal é intensificar a produção para duas cabeças por hectare.

Se tudo for cumprido, seria possível aumentar o número de cabeças de gado no Brasil de pouco mais de 51 milhões para quase cem milhões. "Pelos nossos cálculos, com a intensificação, seria possível evitar a desmatamento de 45 milhões de hectares para abertura de novas terras, que seriam usados para essas cabeças de gado a mais se não houvesse a recuperação de pastagem. E ainda haveria uma emissão evitada de 1 bilhão de toneladas de carbono equivalente até 2030", explica a pesquisadora.

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"Tem custo, mas traz retorno? Esse estudo mostra que tem ganho efetivo para a sociedade. É uma modelagem simplificada, parte do princípio de como é o mercado hoje. Para ter essa pecuária de baixo carbono temos de trabalhar para mostrar que existe um valor agregado nisso e buscar mercados que valorizem isso", diz Annelise.

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Apesar de os resultados econômicos desse estudo inicial para o produtor parecerem ruins, especialistas que trabalham com projetos de recuperação de pastagem e de integração pecuária-floresta defendem que no campo a situação já está mudando. "Num estudo como esse, os números são puxados para baixo porque a área degradada com baixa produtividade é muito grande. Mas está começando a ocorrer uma transição na cadeia produtiva da carne", afirma Mauricio Voivodic, gerente de projetos do Imaflora.

"Antes o frigorífico comprava a carne que passava na frente dele, sem se preocupar com origem, se vinha de área desmatada ou não. Hoje nos maiores já existe compromisso com desmatamento zero na cadeia e sem trabalho escravo. Há preocupação com a qualidade e socioambiental. Não vai levar muito tempo para o fator produtividade também entrar na conta e isso vai valorizar quem faz", diz.

A repórter viajou ao Rio a convite da Coalizão Brasil.

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