Giovana Girardi
13 de janeiro de 2017 | 06h00
Giovana Girardi
Tiago Queiroz
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Enquanto diversos bairros da zona oeste de São Paulo estão em pânico catando dezenas, centenas de pernilongos toda noite desde o início do verão, uma pequena vizinhança na Pompeia está olhando todo o movimento só com curiosidade. Em vez de desesperados à espera do fumacê, os moradores se mobilizaram para garantir um controle dos mosquitos próprio, com a ajuda da natureza.
O cenário é a Praça Homero Silva – rebatizada há alguns anos como Praça da Nascente depois que os vizinhos encamparam a revitalização do espaço que reúne oito nascentes do riacho Água Preta. Ali, dois lagos criados para receber tanta água contam desde o final do ano passado com todo um ecossistema de animais e plantas aquáticas que estão controlando localmente as larvas do pernilongo comum e de Aedes aegypti, o transmissor de dengue, zika, chikungunya e febre amarela.
Andrea Pesek, voluntária que cuida do lago da Praça da Nascente, abastecido com diversas espécies para controle de mosquitos. Crédito: Tiago Queiroz/Estadão
“Sapinhos, peixinhos, insetos, camarões e caranguejos foram inseridos para recriar um micro-habitat em equilíbrio que trouxesse à natureza predadores para os mosquitos”, explica o biólogo Sandro Von Matter, que voluntariamente fez o trabalho de introdução das espécies.
Ele chegou à praça a convite da amiga Andrea Pesek, jardineira e ex-moradora da região e uma das ativistas do coletivo Ocupe e Abrace, que em 2013 iniciou o trabalho de recuperação do local.
“Isso aqui antes era um charco cheio de lixo, mosquitos, moscas, ratos. As nascentes tentavam correr, mas não conseguiam. Então fizemos os lagos. E logo colocamos peixes, para lidar com os mosquitos”, conta Andrea, de 51 anos.
A princípio foram colocados peixes ‘barrigudinhos’ (também conhecidos como guppy ou lebiste – Poecilia reticulata), mas logo outras pessoas foram trazendo outros peixes, alguns sapos cururu (Rhinella icterica) aportaram por lá, e as larvas dos mosquitos começaram a desaparecer. No final do ano passado, porém, os girinos atingiram uma quantidade preocupante e ela notou que o ambiente poderia estar em desequilíbrio.
Andrea então pediu a ajuda de Von Matter, pesquisador do Instituto Passarinhar e especialista em restauração de ecossistemas, que já trabalhava com projetos de recuperação da natureza nativa em praças urbanas.
O problema, explica ele, é que não basta devolver somente uma espécie à área, porque aí ela que pode acabar se proliferando demais. “É importante reconstruir os links entre as espécies que são nativas dos ambientes. O que eu busquei foi recriar o ambiente como se fosse natural”, afirma.
Armadilha. Assim, caranguejos e camarões de água doce, que comem o girino, foram colocados para impedir que a população de sapos explodisse. Os anfíbios adultos são importantes porque pegam o mosquito no ar, mas os girinos têm um papel interessante também dentro da água ao comer fungos e algas, deixando o ambiente mais estável, por exemplo, para insetos da família Notonectidae – aqueles que andam sobre a água –, que adoram larvas de mosquitos.
No total, há hoje cerca de 20 espécies de peixes, entre nativas e exóticas, pelo menos 10 de invertebrados e uma de anfíbio. A ideia, afirma Von Matter, é com o tempo trazer outros animais para a praça.
O trabalho de introdução dessas novas espécies começou a ser feito há cerca de dois meses. Von Matter visita o local a cada 15 dias para medir quanto tem de cada animal nos lagos e checar se não há nenhum novo desequilíbrio. Ele também conta as larvas de mosquito. “No começo ainda tinha, mas hoje posso dizer que o lago não tem mais nenhuma”, diz.
“A gente nem precisa de veneno”, concorda Andrea. “O bacana é que o lago funciona como uma espécie de armadilha para o mosquito. Ele vem para cá para botar ovos, mas aí não se prolifera, porque as larvas vão ser comidas”, explica.
No ambiente urbano, os pernilongos se acostumaram a botar ovos em praticamente qualquer lugar com água. “Mas se tem um ambiente aberto com água, como o lago na praça, eles até preferem. A vantagem é que se esse ecossistema estiver equilibrado, vai predar as larvas e elas não vão ter sucesso”, complementa Von Matter.
Os vizinhos imediatos da praça aprovaram a intervenção. “No verão sempre tem algum mosquito, claro, mas nada como isso aí que o pessoal dos outros bairros está reclamando no jornal. Pelo contrário, aqui a gente tem visto uma diminuição dos mosquitos. Acho que isso é graças ao lago e aos peixes e sapos”, conta a farmacêutica Arlene Saboia, de 65 anos, que mora em frente à Romero Silva há 8 anos. “Bom seria se todo mundo tivesse assim uma praça por perto.”
Expansão da ideia. O biólogo defende que esse tipo de iniciativa deveria ser feito em outras praças e parques da cidade para estender esse efeito em outros micro-cosmos. “Tem de ter o cuidado de trazer espécies que deveriam existir na região, fazer um levantamento científico antes de introduzir qualquer animal e garantir as interações entre as espécies. Se o poder público investisse não gastaria mais que R$ 1.000 por praça”, estima.
Von Matter afirma que seria possível alcançar esses benefícios também em ambientes secos. “Temos árvores ótimas que dão suporte para morcegos insetívoros. Um morcego pode comer 5 mil pernilongos numa noite. Mas muitas árvores antigas têm sido cortadas por risco de cair e uma nova demora para ter o mesmo resultado”, diz.
Ele lembra que na natureza uma árvore também nunca está “pelada”. Ela é coberta com outras espécies da flora, como orquídeas, bromélias, trepadeiras. “Isso tudo oferece recursos para a fauna que ajuda a controlar mosquitos. As pessoas falaram muito que a bromélia é um risco, mas dentro dela vivem organismos, como libélulas, que ajudam a controlar a larva dos pernilongos. Vamos recolonizar as árvores, deixá-las ‘selvagens’”, recomenda.