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Em recado indireto, Kerry fala para Trump fazer lição de casa sobre clima

“Ninguém tem o direito de tomar decisões que podem afetar bilhões de pessoas baseado somente em ideologia”, decretou o secretário de Estado americano, John Kerry, ao recomendar que alguém em dúvidas sobre como agir em relação ao clima que viaje, veja o que está acontecendo e ouça os cientistas

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Por Giovana Girardi
Atualização:

MARRAKESH - Sem citar o nome de Donald Trump e falando apenas uma vez no "presidente eleito", o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, aproveitou seu discurso de quase 50 minutos na Conferência do Clima de Marrakesh para passar um recado polido, mas enfático ao sucessor de Barack Obama: não tome decisões de suspender o combate às mudanças climáticas sem antes viajar, ver com os próprios olhos o que está acontecendo no planeta e falar com as pessoas que estão há anos envolvidas com o tema.

Kerry em discurso na COP de Marrakesh. Crédito: AP Foto: Estadão

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Trump adota o discurso de que mudanças climáticas são uma invenção e disse em campanha que cancelaria o Acordo de Paris e tomaria atitudes totalmente contrárias ao que foi combinado por 196 países há um ano, como retomar os investimentos na indústria de carvão. Kerry se dirigiu aos negociadores presentes à conferência - que parou para ouvi-lo, ainda alarmada com as possibilidades que Trump traz de por a perder os últimos anos de avanço - mas apontava, indiretamente, para o republicano.

"Ninguém tem o direito de tomar decisões que podem afetar bilhões de pessoas baseado somente em ideologia", decretou o político, após listar sugestões de como deveria ser o caminho a seguir por quem ainda tem dúvidas sobre a questão.

"Não levem apenas a minha palavra em conta, nem apenas a existência dessa COP como um selo de comprovação. Eu peço que vocês vejam por vocês mesmos. Faça sua própria diligência antes de fazer escolhas erráticas", recomendou.

"Examinem de perto o que persuadiu o papa Francisco, presidentes e ministros em todo o mundo, líderes empresariais, companhias que estão ansiosas por investir em mercados de energia do futuro. Peguem o melhor julgamento econômico do risco da inação, o custo que haverá para economias globais versus as oportunidades que podem ser encontradas no mercado de energia limpa", continuou.

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Também apelou para uma questão sensível aos Estados Unidos - a segurança: "Falem com líderes militares que veem as mudanças climáticas como um preocupação para a segurança global por ser uma ameaça multiplicadora." E lembrou economias locais: "Perguntem para fazendeiros e pescadores sobre o impacto da dramática mudança nos padrões do tempo na capacidade deles de viver e de sustentar suas famílias e o que eles veem para o futuro".

Depois recorreu ao sentimento de união: "Ouçam líderes religiosos, conversem sobre a responsabilidade moral que temos como zeladores do planeta, o único que temos. Tragam os ativistas e a sociedade civil, grupos que vêm trabalhando por anos com comunidades em todo o mundo para aumentar a consciência e responder a essa ameaça. Perguntem aos jovens sobre suas preocupações legítimas com o planeta que os filhos deles vão herdar".

Kerry ainda pediu racionalidade: "E acima de tudo, consultem os cientistas que dedicaram a vida inteira para aumentar a nossa compreensão sobre este desafio e cujo trabalho terá sido em vão, a não ser que toquemos o alarme alto o bastante para todo mundo ouvir. Ninguém tem o direito de tomar decisões que afetam bilhões de pessoas baseado somente em ideologia ou sem as informações adequadas".

Por fim, concluiu que qualquer pessoa que "gaste algum tempo para aprender com os especialistas, que obtenha a visão completa do que estamos enfrentando" chegaria a somente uma decisão: "agir ousadamente contra as mudanças climáticas e encorajar outros a fazerem o mesmo".

Realidade. Logo depois, no único momento em que falou diretamente sobre o resultado das eleições, ponderou, como ocorreu com outros líderes durante esta conferência, que governar é diferente de fazer campanha. "Uma coisa que aprendi é que algumas coisas parecem um pouco diferentes quando se está no comando e não na corrida eleitoral. Mudanças climáticas não deveriam ser uma questão partidária. Não é vista assim no Pentágono, nem pela nossa inteligência. Não o é para prefeitos de Nova Orleans a Miami, nem para líderes empresarias liberais e conservadores que estão investindo em energias renováveis. Não tem nada de partidário para cientistas em todo mundo."

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Ao longo de todo o discurso, o secretário frisou diversas vezes que os mecanismos de mercado hoje fazem a roda das ações contra as mudanças climáticas andar mais rápido do que decisões governamentais propriamente ditas.

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Buscou, com isso, passar a mensagem de que o mundo tem condições de continuar lutando contra o problema mesmo se tudo o mais der errado em seu país. Lembrou que o mercado global de energias renováveis expandiu na ordem de seis vezes e que vem gerando milhões de empregos. Mas ressaltou que tudo isso precisa crescer muito, porque o mundo está cada vez mais quente e os impactos já estão ocorrendo, lembrando recentes inundações em Louisiana.

"Em algum momento, mesmo o mais cético tem de reconhecer que algo perturbador está acontecendo", disse.

* A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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