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'Brasil pode perder negócios se não ratificar protocolo de biodiversidade'

Braulio Dias, secretário executivo da Convenção para a Diversidade Biológica alerta em entrevista para as oportunidades que o Brasil pode perder ao não ratificar o Protocolo de Nagoya, sobre o acesso a recursos genéticos

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Por Giovana Girardi
Atualização:
Braulio Dias, secretário executivo da CDB Foto: Estadão

HONOLULU - O Brasil corre risco de perder oportunidades de acesso a recursos genéticos para melhoria de sua agropecuária ou de não ter sua biodiversidade investigada em busca de novos fármacos e até mesmo de se defender em casos de biopirataria se não ratificar um acordo internacional que ele mesmo ajudou a construir.

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O prognóstico foi feito pelo brasileiro Bráulio Dias, secretário executivo da Convenção de Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas, sobre o que pode ocorrer se acabar mal a novela que se arrasta já por mais de quatro anos em torno da ratificação, pelo Brasil, do Protocolo de Nagoya, acordo internacional que versa sobre acesso aos recursos genéticos da biodiversidade.

Ele foi assinado, no final de outubro de 2010, pelos 193 países-membros, após um período de intensa negociação, que contou com articulações importantes de diplomatas e membros do Ministério do Meio Ambiente do Brasil. Na linha de frente estava Dias, então secretário de Biodiversidade e Florestal. Pouco menos de dois anos depois, em junho de 2012, o texto foi para o Congresso, foi moeda de troca durante as discussões do Código Florestal e depois de outras legislações e acabou nunca sendo votado.

O protocolo acabou entrando em vigor em outubro de 2014, sem a participação do Brasil, que até hoje continua de fora. Nos preparativos para a próxima conferência bianual das partes da Convenção da Diversidade Biológica, que será realizada no final deste ano, em Cancún (México), e será a última gerida por Dias, ele está fazendo um apelo para que o Brasil entre logo no jogo.

Em entrevista ao Estado durante a Conferência Internacional sobre Conservação, promovida pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), Dias explicou o que significa o Brasil não aderir ao protocolo.

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Qual é o peso de o Brasil não estar no protocolo? Este é o principal instrumento internacional estabelecendo as regras do jogo para acesso a recurso genético, repartição de benefícios, que faz a mediação entre aqueles que detêm os direitos sobre os recursos genéticos - incluindo os países provedores, os povos indígenas, comunidades locais, etc - e os usuários, que incluem toda a comunidade científica e toda a indústria farmacêutica, de biotecnologia. O trem está avançando ao nível global, estamos recebendo adesões crescentes. Foi muito importante a ratificação pela União Europeia, que aprovou uma lei regional de acesso a recursos genéticos, reforçando tudo o que está no Protocolo de Nagoya e criando algumas exigências mais fortes. Estamos com pouco mais de 80 ratificações (como de China, Reino Unido, França), dentro dos 193 países-membros da CDB. O Brasil não está sozinho, e entendo que cada país tem de ter seu tempo de fazer as discussões internas, esclarecer para todo mundo o que vai acontecer e por que é importante ratificar. Vários países, como o Brasil, decidiram que, antes de ratificar o protocolo, precisavam atualizar as leis internas que tratam do tema.

Mas isso já foi resolvido no ano passado. Sim, em abril do ano passado foi aprovada a Lei da Biodiversidade (sancionada pela então presidente Dilma Rousseff em maio), que modernizou bastante a temática no Brasil. Antes só havia uma medida provisória que era bastante restritiva, que criava muita burocracia, e dificultava de fato o acesso ao recurso genético. Agora há uma lei que facilita o acesso, mas que reforça a exigência de repartição de benefícios e cria novos mecanismos para ela, como o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios. O Brasil é o país mais rico em biodiversidade do mundo, então, potencialmente, é dos países que mais têm a ganhar com as regras, que visam assegurar que qualquer novo desenvolvimento farmacêutico, biotecnológico ou o que for baseado na biodiversidade brasileira vai ter de respeitar os direitos do Brasil. Só que para isso que aconteça plenamente, o Brasil tem de ratificar o protocolo. Esse protocolo afeta interesses em vários setores. No Brasil, o setor agropecuário era o que estava mais preocupado. Ele exigia primeiro ter uma lei nacional e depois uma garantia de que as regras do protocolo de Nagoya não seriam retroativas. Mas isso está claro no direito internacional. As novas regras valem sempre daqui para frente. Exportação de commodities não tem nada a ver com o protocolo. Agora se alguém pega recursos genéticos de plantas nativas ou de plantas cultivadas no Brasil e faz novos desenvolvimento tecnológicos, desenvolve novos produtos com valor agregado, como um café sem cafeína, por exemplo, aí isso cai dentro das regras do protocolo de Nagoya. O problema é que houve muita notícia errada que atrapalhou o entendimento nessas coisas no Brasil, infelizmente.

Para o sr., o que ainda está atrasando a ratificação no Brasil? Bom, a turbulência política não ajudou, mas agora precisa abaixar a poeira e precisa começar a retomar o dia-a-dia da agenda. O ministro José Serra (Itamaraty) e o ministro Sarnxey Filho (ambiente) já foram ao Congresso para enfatizar que, depois do Acordo de Paris, também precisa ratificar o protocolo de Nagoya. Espero que venha acontecer logo.

Houve um puxão de orelha neles? Mas eu não preciso dar puxão de orelha não. É do interesse do Brasil ratificar. E quem entende do assunto sabe disso, mas ainda tem muita desinformação e muita gente acha que não precisa ratificar. Mas, por exemplo, a economia brasileira, na área de agricultura, depende basicamente de espécies cultivadas que tiveram origem em outros continentes. A soja veio da China, a laranja também, o café veio da Etiópia, o gado zebu veio da Índia, e assim por diante. O melhoramento genético da agropecuária brasileira para se adaptar às novas condições futuras causadas por mudança climática vai exigir recurso genético. E na hora que o Brasil bater na porta da Etiópia para pedir novos recursos genéticos para melhorar o café ou bater na porta da China para pedir isso para a soja, esses países vão exigir o comprimento das regras do Protocolo de Nagoya. Senão o Brasil não terá acesso.

É esse tipo de coisa que o País perde ao não fazer a ratificação? Perde, por um lado, a certeza de acesso a recursos genéticos de outros países que sejam necessários para o seu desenvolvimento econômico e corre o risco de perder oportunidades de receber repartição do benefício de qualquer desenvolvimento tecnológico feito em cima de biodiversidade brasileira.

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Isso pode impedir que a biodiversidade brasileira seja investigada num sistema internacional de pesquisa? Com certeza. O Brasil não é só rico em biodiversidade, como tem uma comunidade científica muito sofisticada. E o Brasil tem uma indústria e uma agricultura sofisticadas. Então ele perde não só como provedor, mas como usuário de recurso genético e de competir de igual para igual no mercado internacional. A gente vive dizendo que o Brasil tem um potencial imenso na sua biodiversidade, mas tem de transformar esse potencial em realidade e ter regras do jogo claras é um dos elementos-chaves para isso. Então ter a nova lei nacional é excelente, mas o desenvolvimento científico e tecnológico é uma iniciativa global, não acontece só dentro de um país. Sempre existem parcerias, uma parte da pesquisa é feita aqui, outra vai para outro lugar. E o Brasil, para ser um ator-chave e com importância crescente, tem de aderir ao protocolo.

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Quando foi aprovado o protocolo, houve muita comemoração porque naquele momento se temia muito a biopirataria, e a repartição dos recursos genéticos prevista no protocolo ajudava a controlar isso... De fato, tanto que a medida provisória anterior visava basicamente impedir a biopirataria, por isso ela travou muito. Mas, na verdade, ninguém vai se beneficiar da biodiversidade se não se permitir o acesso, para começar. Então sem o protocolo acabamos limitando a investigação dessa biodiversidade. A indústria não investe se existe alguma incerteza jurídica. Porque eles podem pôr a perder anos de investimento se depois alguém entrar na justiça alegando que a empresa feriu algum direito. Por isso as regras do jogo têm de estar bem claras.

O maior entrave ainda é a agricultura? Entendo que é o setor que tem mais preocupações, porque depende muito intensivamente de recursos genéticos. E havia uma preocupação sobre se essas regras iriam criar uma burocracia enorme, aumentar o custo. Eram preocupações legítimas, mas tudo depende de como cada país implementa essas regras. O protocolo estabeleceu as regras gerais, mas os detalhes são para cada país assumir. Outro setor importante é o da medicina. Estamos cada vez mais sujeitos a pandemias e temos tido alguns sustos com gripe viária, suína. Temos de ter agilidade para responder a esses riscos de pandemia. E há uma grande interdependência entre esses países. Se um país ajuda em uma investigação permitindo acesso a seus recursos genéticos pela indústria farmacêutica de um outro país para fazer testes de uma droga, por exemplo, tem de ter direito aos benefícios do medicamento obtido.

E quem não assina o protocolo pode ficar excluído desse processo? Não fica totalmente excluído, mas fica mais difícil, porque vai ser visto por desconfiança por outros países, que vão provavelmente fazer mais exigências para quem não fizer parte do clube. E vários países poderão negar acesso aos recursos genéticos, por exemplo. Ou o Brasil poderá ter dificuldade em defender seus direitos. No passado recente, por exemplo, teve empresas do Japão, da Alemanha, tentando patentear o cupuaçu, houve vários casos desse tipo. O país tem de estar vigilante, porque se não tomar cuidado, outros países vão ficar ricos em cima da gente, como já aconteceu em todo o período da história colonial brasileira. Por que a Europa é rica? É só olhar a história. A Europa enriqueceu e os países-colônia empobreceram. Essa é justamente uma medida para criar mais justiça entre países no comércio internacional.

* A repórter viajou a Honolulu a convite da IUCN

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