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Ave da Amazônia é descrita como a mais barulhenta do mundo; veja vídeo

Os machos araponga-da-amazônia, uma espécie que emite um som semelhante a um ferreiro batendo ferro, têm um canto de acasalamento tão forte que se assemelha a um bate-estaca

Por Giovana Girardi
Atualização:

Uma ave que vive em regiões montanhosas da Amazônia foi considerada a mais barulhenta do mundo. Em seus esforços para atrair as fêmeas para o acasalamento, a araponga-da-amazônia macho emite um canto tão alto que fica até difícil entender como a parceira consegue apreciá-lo e ouvi-lo sem acabar ficando surda.

Quem já andou por uma floresta com arapongas (existem quatro espécies na região tropical das Américas Central e do Sul) sabe que o canto forte, que lembra o som metálico de um ferreiro batendo ferro, domina o ambiente e pode ser ouvido a longas distâncias. Mas a branca araponga-da-amazônia (Procnias albus) se distingue entre os parentes.

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Ela chamou a atenção do ornitólogo Mario Cohn-Haft, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que em 2017 fazia uma expedição pela Serra do Apiaú, em Roraima. Nas florestas montanas, a mais de mil metros de altitude, onde é possível sentir frio em plena Amazônia, conta o pesquisador, a trilha sonora era o canto da araponga martelando para todo lado.

As espécies naquele ambiente são bem diferentes das observadas em áreas mais baixas da Amazônia. Ele coletou vários exemplares, entre eles um da araponga e se espantou com a musculatura do bicho.

A primeira coisa que ele notou de diferente foi a siringe - o aparelho vocal das aves, parte do sistema respiratório por onde passa o ar para produzir o som. "Era enorme, achei maravilhosa. Mas como existe muita pesquisa sobre siringe no mundo, já foi descrita para a maioria das aves, achei que não deveria haver nada novo ali", diz.

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"Mas quando abri o abdômen vi que realmente o bicho é muito diferente. Os músculos abdominais são extraordinariamente espessos, fortes. O bicho é um 'tanquinho'", brinca Cohn-Haft.

Ele explica que isso não é comum em passarinhos. "Os músculos são fininhos. Em geral, toda as adaptações são para o voo. Tudo é minimalista em pássaro. Mas essa araponga tem abdômen espesso e forte. É excepcional. E suas costelas também são grossas. Pensei que isso só poderia ser uma adaptação para ele conseguir fazer esse barulho doido que se escuta a 2 km de distância."

Ele resolveu procurar seu colega Jeffrey Podos, da Universidade de Massachusetts, em Amherst. Especialista em bioacústica, ele investiga justamente adaptações evolutivas que favoreceram os cantos das aves. No início deste ano, a dupla voltou a região, com aparelhos de alta tecnologia, para medir tanto a amplitude do canto (os decibéis), quanto a pressão sonora.

Cohn-Haft explica que comparações de amplitude são difíceis porque em geral as medidas são feitas cada uma de um jeito. "Existem listas de decibéis nas redes, mas se não é dito a distância e como foi medido, é difícil de comparar."

Os pesquisadores então decidiram partir para a comparação com o canto de uma outra ave já descrito cientificamente e que se imaginava ser o mais alto. Trata-se do capitão-da-mata, ou cricrió (Lipaugus vociferans), considerado a voz mais emblemática da floresta amazônica. O volume do som dele havia sido quantificado, mas só pela experiência em campo os cientistas já imaginavam que a araponga ganharia dele.

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Mais barulhenta que uma britadeira

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Ao fazer as medidas das duas espécies, eles constataram que as arapongas são cerca de 9 decibéis mais barulhentas que os cricriós, mas em termos da pressão sonora, é quase o triplo da exercida por eles. "Na prática, é como se fosse três vezes mais forte", resume Cohn-Haft.

Segundo ele, é um som mais alto que os dos macacos bugios, bem conhecidos nas matas paulistanas. Para quem não tem experiência de floresta, ele faz uma comparação mais urbana: "É mais alto que mais alto que uma britadeira e regula mais ou menos com um bate estaca. É muito forte", diz.

Quanto mais forte, porém, mais curto é o som. Os pesquisadores observaram que as arapongas machos emitem dois curtos: um mais comprido e um menor. O primeiro é o seu canto mais comum, mais longo e lento e menos forte, e o segundo, mais raro, é de fato o mais alto já medido entre aves (veja o vídeo abaixo).

Enquanto o cricrió atinge, no máximo, 116 decibéis, a araponga, em seu segundo canto, chega a 125.

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Os cantos tanto servem para indicar a presença do cantor - onde ele está - quanto define a identidade do bicho. Dentro da mesma espécie, os animais conseguem se distinguir individualmente pelo canto. E servem, especialmente, para atrair as fêmeas. E, por incrível que pareça, elas gostam mesmo é dos gritos mais fortes.

"Ficamos imaginando como o macho consegue produzir esse som. Ainda não sabemos. Mas nos intriga como a fêmea curte isso. A fêmea pousa no poleiro onde o macho está ou perto dele nesse processo de cortejar e recebe o grito bem na cara", descreve.

"É um canto explosivo mesmo. É o oposto do normal em comunicação de aves. Normalmente as vocalizações mais fortes são para comunicar a distância. Quando o receptor está mais perto, tendem a ser mais maneiradas. Mas essas fêmeas adoram uma gritaria. Elas recebem um volume de som insuportável à queima roupa", conta.

O estudo foi publicado pela dupla nesta segunda-feira na revista científica Current Biology.

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