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Artigo: 'E daí? Ministro do Meio Ambiente atua para reduzir proteção da Mata Atlântica'

Em artigo exclusivo para o blog, pesquisadores criticam proposta enviada por Ricardo Salles de mudança na Lei da Mata Atlântica, que deixa desprotegidas áreas não florestais; a vegetação da ilha de Santa Catarina, por exemplo, não seria mais protegida

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Por Michele de Sá Dechoum , Sílvia R. Ziller , Gerhard Ernst Overbeck , Coalizão Ciência e Sociedade
Atualização:

(O texto abaixo é opinativo e não reflete necessariamente a opinião do jornal)

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O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em despacho recente, recomendou aos órgãos vinculados à pasta que a Lei da Mata Atlântica seja desconsiderada quanto às exigências de recuperação de áreas desmatadas ilegalmente antes de 2008. Na prática, não seria mais necessária a recuperação de áreas nas quais atividades econômicas estabelecidas ilegalmente antes de 2008 estejam consolidadas.

Alguns dias depois, uma proposta de alteração do decreto federal que regulamenta a Lei da Mata Atlântica foi apresentada pelo ministro ao presidente Jair Bolsonaro.

Pela mudança proposta na Lei da Mata Atlântica, a vegetação nativa de ilhas, como a de Florianópolis, ficaria sem proteção. Crédito: Giovana Girardi / Estadão  

Com a justificativa de "afastar a instabilidade técnica e jurídica", duas alterações foram propostas: (1) a exclusão das formações não-florestais que compõem o bioma Mata Atlântica; e (2) a necessidade de anuência prévia do Ibama para a supressão da vegetação nativa somente para áreas maiores de 150 hectares na zona rural e 30 hectares na zona urbana, em vez dos limites atuais de 50 hectares na zona rural e três hectares na zona urbana.

Ocupando 15% do território nacional em 17 Estados, os remanescentes naturais da Mata Atlântica têm alta importância socioeconômica, garantindo recursos naturais e benefícios diretos e indiretos, como provisão de água em qualidade e quantidade adequadas para cerca de 70% da população brasileira que vive neste bioma, incluindo povos indígenas e populações tradicionais.

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A Mata Atlântica é globalmente reconhecida como um centro de elevada diversidade biológica (grande parte exclusiva deste bioma), mas sob forte ameaça por atividades humanas.

Embora o termo 'mata' enfatize as florestas, o bioma inclui variados ecossistemas, tais como restingas, manguezais, campos, banhados. Sem base técnica e científica, a proposta retira a proteção legal de formações não-florestais como os campos salinos e áreas alagáveis; estepes e savanas (incluindo as extensas áreas campestres nas serras do sul do País); campos rupestres e de altitude e áreas de transição entre diferentes tipos de vegetação, assim como a vegetação nativa de ilhas oceânicas e costeiras.

Formações não-florestais naturais apresentam uma biodiversidade comparável à de florestas com funções ecológicas igualmente relevantes. Por exemplo, os campos nos planaltos no sul do bioma protegem os solos e regulam o ciclo hidrológico, contribuindo com bacias hidrográficas que alimentam milhões de pessoas. Ilhas costeiras e oceânicas contêm ambientes de extrema fragilidade ambiental e sua conservação é essencial para as populações que aí vivem.

Se a proposta do ministro for implementada, toda a vegetação da ilha de Santa Catarina, por exemplo, onde se situa Florianópolis, não seria mais protegida pela Lei da Mata Atlântica. Também os Campos de Cima da Serra, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, com paisagens de beleza ímpar e atrativos turísticos de importância nacional, e cuja vegetação nativa é fonte forrageira sustentável para a pecuária, perderiam essa proteção.

Formações naturais não-florestais não são menos valiosas por não terem árvores, são apenas diferentes, em função de determinantes ecológicos distintos. Por sua singularidade biológica e poucos remanescentes, todos os ecossistemas associados à Mata Atlântica requerem proteção específica e recuperação, não mais degradação.

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Propor a redução da proteção e da demanda de restauração de áreas degradadas ilegalmente no bioma é irresponsável e imoral. A conta desse novo ataque ao meio ambiente será, mais uma vez, da população brasileira.

* Michele de Sá Dechoum é pesquisadora da UFSC, Sílvia R. Ziller, do Instituto Horus, e Gerhard Ernst Overbeck, da UFRGS.

O artigo é subscrito pela Coalizão Ciência e Sociedade, que reúne 73 pesquisadores de instituições de todas regiões brasileiras.

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