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A rica e ameaçada baía do Araçá

Baía do Araçá, por onde deve se expandir o porto de São Sebastião. Crédito: Hélvio Romero/Estadão

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Por Giovana Girardi
Atualização:

À primeira vista não é um lugar lá dos mais bonitos do litoral norte paulista. A praia é lamosa, o cheiro, meio ruim. A vida não é muito evidente. Tanto que no início de 2011 o prefeito de São Sebastião, Ernane Primazzi (PSC), chegou a decretar a morte da baía do Araçá.

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A região por onde deve se estender o porto de São Sebastião, no entanto, é uma das mais ricas em biodiversidade, presta uma série de serviços ecossistêmicos e é importante para a vida dos caiçaras. É o que vem mostrando uma força-tarefa de mais de 140 pesquisadores, de instituições como USP, Unicamp e Unesp, financiados pelo programa Biota, da Fapesp, que desde 2012 estão estudando a região.

Veja vídeo feito no local:

O trabalho ainda está em andamento - e os Ministérios Públicos Federal e Estadual recomendam em documento ao Ibama que se espere sua conclusão antes de definir se o porto pode se estender por ali.

Mas pelos primeiros resultados os cientistas já conseguem dizer que o local tem uma alta riqueza de espécies, inclusive de peixes e outras espécies marinhas importantes para a alimentação e a economia local.

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Pesquisas realizadas a partir dos anos 1950 já haviam descoberto que ali viviam mais de 700 espécies, principalmente no substrato, como moluscos e crustáceos. Isso em somente cerca de 1/3 da baía, a faixa entre marés.

Diante da declaração do prefeito, os pesquisadores se viram diante do desafio de responder se a região estava realmente morta e estender a investigação para toda a bacia, analisando não só sua biodiversidade como também os processos físicos, químicos e biológicos - como hidrodinâmica, transporte de sedimentos, interações da cadeia alimentar. Eles também analisaram as interações socioeconômicas, como a relação com a população e a dinâmica pesqueira, e os serviços providos pelo ecossistema.

O megaprojeto do programa Biota, da Fapesp, já está confirmando as suspeitas originais. "Sem ainda analisar todos os dados, já podemos dizer que o Araçá está vivinho, continua com uma alta biodiversidade", resume a zoóloga Cecília Amaral, do Instituto de Biologia da Unicamp e líder do projeto.

Em cerca de um ano e meio de coleta na baía foram identificadas cerca de 430 espécies, sendo cem de peixes e 30 de aves. A maioria, cerca de 300, vive no substrato arenoso e/ou lamoso, nos costões rochosos e no manguezal. A quantidade de peixes, aliás, surpreendeu os pesquisadores.

"A minha primeira impressão da baía também foi de que aquele era um ambiente meio fedido, desprovido de vida. Mas o resultado das coletas foi surpreendente. A cada campanha de coleta encontrávamos espécies diferentes. Vimos garopas, robalos, peixe-borboleta, raias de 20 centímetros de diâmetro a apenas 30 centímetros de profundidade. A variedade é muito maior do que se percebe só de olhar para o local", afirma o pesquisador Riguel Contente, especialista em peixes do Instituto Oceanográfico da USP.

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Ele explica que o local funciona como uma espécie de refúgio para sardinhas. "Em determinadas épocas do ano, há entradas de cardumes imensos, com quantidades elevadíssimas de indivíduos juvenis." O canal de São Sebastião é muito profundo, com até 40 metros de profundidade, mas a baía do Araçá é mais rasa, então os cardumes com indivíduos juvenis procuram o lugar para se proteger dos predadores. Na visão dos pesquisadores, a construção do porto como é desenhado hoje poderia levar à perda desse habitat.

Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP, destaca o papel de limpeza que micro-organismos que vivem na baía promovem sobre o esgoto da cidade que chega sem tratamento ao mar. Com a construção da laje do porto sobre pilotis para a colocação de contêineres, essa função será interrompida. O esgoto não será depurado e o mau cheiro vai proliferar.

"O que estamos vendo é que esse ambiente tem vários valores e funções. As pessoas que vivem ali percebem isso, não só hoje, mas historicamente. A gente quer qualificar a discussão sobre o uso dessa região, para que seja mais sábio."

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