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A economia de água em São Paulo tinha de vir desde 2004, agora é hora de multa, alerta especialista

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Por Giovana Girardi
Atualização:
Represa Jaguari, que compõe o Sistema Cantareira, em Bragança Paulista, em seu menor nível. Crédito Sergio Castro / Estadão  Foto: Estadão

A seca que a região do Sistema Cantareira está sofrendo é incomum, mas a ameaça de falta de água na Região Metropolitana de São Paulo é um problema antecipado há mais de dez anos e que tem a ver não só com o clima, mas com o crescimento da cidade e o esgotamento dos mananciais. Só que sempre que começa a chover, todo mundo esquece o risco e volta a gastar água de modo inconsequente. Em linhas gerais, essa é a opinião da maior autoridade em água no País, o pesquisador da Escola Politécnica da USP e presidente do Conselho Mundial de Água, Benedito Braga.

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Também ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), ele acompanha a questão da hidrologia desde o final da década de 1970. Na entrevista a seguir, Braga fala sobre a escassez, sobre o que está levando a isso e quais são as soluções.

Estamos vivendo uma seca incomum, que está pondo em risco o abastecimento de água, mas essa não é uma crise anunciada há muitos anos, por conta do crescimento da população e a falta de novos mananciais?

Há uns quatro anos ou mais já venho dizendo isso. Em 2004 tivemos uma situação semelhante, o reservatório (do Sistema Cantareira) estava com 20%, mas começou a chover após a concessão da outorga (da exploração de água) e todo mundo se esqueceu do problema. Mas quando se faz uma análise de longo prazo, vemos que nos últimos 15 anos o sistema vem recebendo menos contribuição de água da bacia do que a média histórica. Ele não consegue se recuperar. Pode ser que estejamos num ciclo de vazões baixas naquela bacia. Esses períodos de variabilidade climática acontecem e temos de estar preparados para isso. O que esperávamos é a infraestrutura suficiente para fazer frente ao período de seca.

O governo deixou de fazer obras?

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Não dá para colocar a culpa específica neste ou naquele. Não é que o governo não queria fazer obras, mas temos um emaranhado legal e institucional que dificulta o desenvolvimento, a produção de obras. Isso associado à percepção maior ou menor da problemática pelo político leva à situação que estamos. É hora de a classe política entender que água é importante, não só de quantidade, mas de qualidade. Mas depois que a crise passa, todo mundo esquece. É o mesmo que acontece com as inundações. Depois todo mundo esquece e no ano seguinte a história se repete.

Isso aconteceu no Cantareira. Mas poderia ser no Guarapiranga, que tem as margens tomadas por ocupação irregular. Não é um problema de não cuidarmos direito dos nossos mananciais?

A região do Cantareira ainda está com os mananciais bons, mas a pressão imobiliária é grande, as invasões são sérias, A Guarapiranga tem leis de ocupação do solo que nunca foram cumpridas. Claro que existe o problema da população que está ali, o poder público não se sente confortável em fazer valer a ler e hoje tem mais de 100 mil pessoas morando no manancial. Mas quando a ocupação começou, ela era pequena. Faltou cumprir a lei. É um problema sério, para o qual os responsáveis pelas obras do Alto Tietê têm de ficar alertas. Daqui a 30, 50 anos cidade vai se expandir para aquela região. Não podem deixar repetir o que aconteceu na Guarapiranga.

Desde dezembro está se vendo que a situação da falta de chuva é dramática. As campanhas para redução do consumo não deveriam ter começado mais cedo? Já não deveríamos estar num racionamento?

Tudo tem prós e contras do ponto de vista de quem toma a decisão. Para mim devia ter começado antes, mas aí chove, montou-se todo um esquema complexo, vai ser criticado por tomar a decisão.

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Mas economizar água nunca faz mal...

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Claro, pode sempre ser feito, Talvez seja uma dúvida válida em caso de racionamento, mas uma campanha massiva para economizar água realmente deveria ter começado em outubro. Na verdade deveria vir desde 2004, quando passamos por isso. Tivemos essa chuva do final de semana e muita gente acha que resolveu. Mas foi superficial. O reservatório está sem volume, tem de manter a atenção e não vejo meios de comunicação transmitindo isso à população, a gravidade do que estamos passando.

Quão grave é?

Se não tivermos em fevereiro chuvas significativas - e há incertezas se teremos, não conseguimos prever com 15 dias de antecedência -, vai vir o racionamento. A maior metrópole do Brasil numa situação dessa é muito grave. Pode chover, o reservatório pode recuperar um pouco, mas queremos correr esse risco? E ficar na decisão de não fazer nada, continuar tomando banho longo? É preciso que todo mundo economize, e não só a população abastecida pelo Cantareira, mas a Zona Sul, que recebe água da Guarapiranga, a Zona Leste, abastecida pelo Alto Tietê. Não acho que já deveríamos estar em racionamento. Quando os canos ficam vazios, remanescentes da chuva com poluição podem entrar por diferença de pressão. Isso não é bom. Mas temos de economizar pesadamente, reduzir 50% o consumo. Tinha de ter uma campanha massiva, legislação com multa para quem lava rua, carro, tarifa crescente na conta se passar de uma determinada cota, isso sim já deveria ter começado. Mais do que só dar bônus.

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