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Vida dura: anfíbio enfrentam escassez de água para sobreviver

Anfíbios passaram por peneira evolutiva: escassez de água doce, elemento crucial para sua sobrevivência

Por Herton Escobar
Atualização:

A vida é difícil numa ilha. Quem não consegue se adaptar às condições, não tem para onde correr e acaba extinto - o que certamente ocorreu com várias das espécies que ficaram isoladas no início.   Os anfíbios, especificamente, passaram por uma peneira evolutiva apertadíssima: a escassez de água doce, elemento crucial para sua sobrevivência. A maioria das ilhas não possui rios ou lagos - só mesmo a água da chuva ou o vapor d’água que chega com o vento. Por isso, os únicos anfíbios que prevaleceram após serem cercados pelo mar foram as espécies de "desenvolvimento direto", que não passam pela fase de girino, ou que necessitam de pouquíssima água para sobreviver.   A bióloga Cinthia Brasileiro, pós-doutoranda da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, conhece pelo menos três espécies de pererecas endêmicas que se desenvolveram nas ilhas paulistas. Todas são do gênero Scinax e vivem exclusivamente nas piscininhas de água da chuva que se formam dentro de bromélias. A Scinax alcatraz só existe na Ilha de Alcatrazes. A Scinax peixotoi é exclusiva da Ilha de Queimada Grande. E a Scinax faivovichi só pode ser encontrada na Ilha dos Porcos Pequena. Cada uma tem morfologia e canto distintos, diferentes umas das outras e da Scinax do continente.   "O canto é um aspecto definitivo, porque é espécie-específico", explica Cinthia. "Se o canto é diferente, um bicho não reconhece o outro e eles não se acasalam."   A pesquisadora já fez coletas em 15 ilhas do litoral paulista, mas o trabalho está só começando. Outras duas espécies de pererecas Scinax e três espécies de rãs - das Ilhas Bom Abrigo, Cardoso, Alcatrazes, Ilhabela e Couves do Norte - estão em processo de descrição. Em 2007, Cinthia também publicou a descrição de uma rã chamada Cycloramphus faustoi, que, até onde se sabe, só existe em uma baía rochosa da Ilha de Alcatrazes, chamada Saco do Funil. Para azar da espécie, é onde a Marinha pratica tiros de canhão, que são vez ou outra disparados contra a ilha.   Em dezembro de 2004, um incêndio no Saco do Funil deixou os cientistas temerosos de que a espécie poderia ter sido exterminada. Ela sobreviveu ao fogo, mas ainda assim é considerada criticamente ameaçada de extinção. As rãs vivem e se reproduzem dentro de pequenas tocas no paredão rochoso do Saco do Funil, aproveitando a umidade que fica presa entre as pedras.   Cinthia não tem dúvida de que ainda há muitas espécies novas para serem descobertas nas ilhas. "Se tem até sapo endêmico, imagina o que não tem de invertebrados", especula a bióloga. Com reprodução rápida e ciclos de vida muito curtos, insetos e outros invertebrados podem evoluir e se diversificar de maneira ainda mais acelerada do que os vertebrados. Só que, neste caso, o desconhecimento dos cientistas é ainda maior.   "Que tem endemismo, certamente tem, mas falta fazer muita pesquisa ainda", diz o especialista em aranhas Antonio Brescovit, do Instituto Butantã, um dos poucos que já coletou invertebrados das ilhas. Em 2005 ele publicou a descrição de uma pequena aranha (tamanho = 3 milímetros) endêmica de Queimada Grande, batizada de Mesabolivar cuarassu - que em tupi-guarani significa "vulva grande", uma referência ao fato de a fêmea ter uma genitália do tamanho do abdome.   Com mais estudos, Brescovit também não tem dúvidas de que mais espécies endêmicas poderão ser encontradas. "Só em Queimada deve ter mais, pelo menos, uma meia dúzia", avalia.

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