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Refúgio hippie

Integrada à Mata Atlântica, casa de designer no litoral norte paulista usa madeira certificada

Por Gustavo Bonfiglioli
Atualização:

Na primeira vez em que o arquiteto Carlos Motta foi a Camburi, em São Sebastião, no litoral norte paulista, em 1962, tinha apenas 10 anos de idade. “Era meu aniversário e eu queria uma canoa. O único canoeiro bom na região morava em Camburi”, lembra. Motta ganhou uma canoa de ingá feita pelo pai de um caiçara que depois se tornou amigo do designer de móveis – famoso no mundo por seus móveis confeccionados com madeira certificada.

 

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Em 1985, Camburi foi escolhida pelo arquiteto, designer e surfista paulistano para abrigar sua casa de veraneio. Cercada pela Mata Atlântica, mas perto da praia, a construção é um refúgio com serventias diversas, como escapar da vida urbana e se inspirar para as suas criações, vendidas em países como Estados Unidos e Holanda, e ficar perto do mar, para praticar surfe.

 

“Comecei a surfar com 14 anos e nunca mais parei. Tenho 59 anos e 59 de litoral. A relação com o mar é muito forte”, conta Motta, que já participou de dezenas de exposições internacionais, além de ter sido tema de um livro e de um documentário.

 

Nenhum litoral do mundo, para ele, é mais bonito que o litoral norte de São Paulo. E olha que ele tem vasta experiência no exterior: morou por dois períodos na Califórnia, surfou na Indonésia e no Havaí. “É uma conjunção de fatores: praias de areia branca, rios, nascentes, cachoeiras, florestas chegando junto ao mar, a riqueza cultural dos caiçaras.”

 

A casa do designer na praia é descrita por ele como “bem hippie”. Próxima de uma nascente com água potável, não tem luxo nenhum. Apenas uma televisão e uma geladeira fornecem o mínimo de conforto.

 

Foto: Rômulo Fialdini/Divulgação

 

O barulho vem do vento batendo nas árvores e dos bichos da região. A madeira, como não poderia deixar de ser, é onipresente em toda a construção, das paredes ao mobiliário.

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“A casa foi construída em uma ‘piramba’ que ninguém queria comprar: são 147 degraus para chegar à porta”, conta Motta. O paulistano percebeu logo nas primeiras visitas ao terreno que a casa teria de seguir princípios sustentáveis de construção. “Vi que a região tinha cotias, calangos, tamanduás, gambás, mas eu não via a casa deles. Pensei: quero chegar da mesma forma.”

 

O projeto, de autoria de Motta, fez o mínimo de intervenções no terreno. Manteve árvores no lugar, projetou os espaços para que tivessem ventilação natural e colocou os pilares de sustentação sem fazer perfurações.

 

Mudando de praia. A casa de Camburi é a realização de um sonho antigo. Em 1979, antes de a região viver um boom imobiliário, o arquiteto decidiu que queria um refúgio por lá. Ergueu sua primeira casa, na Barra do Sahy, também em São Sebastião.

 

“A casa ficou com minha ex-mulher na separação”, lembra. “Aí eu comecei dois novos namoros: com outra mulher (a designer de joias Sibylla Simonek) e com outra praia, Camburi.”

 

Depois da construção da segunda casa, Motta passou a frequentar o litoral religiosamente nos fins de semana. Durante a semana, o designer se divide entre sua casa e o ateliê, na Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo.

 

A paixão pela natureza, não por coincidência, pauta o seu trabalho. Para ele, os móveis devem ser longevos e sustentáveis. Além da madeira certificada pelo Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC), ele usa madeira reaproveitada, de demolição. “Trabalho com um material nobre. Não faria sentido eu criar produtos efêmeros.”

 

Não me toque. A única vez em que Motta não usou madeira certificada foi, ironicamente, para confeccionar uma peça sob encomenda do Ibama. Mais irônico ainda: a madeira foi cedida pelo próprio órgão de fiscalização ambiental, que montou a mostra.

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“Faz uns 15 anos. Eles me chamaram para participar, achei legal. Eles mandaram a madeira e descobri que não era certificada. Fiquei furioso e queria desistir, mas eles insistiram muito, disseram que compensariam os danos.”

 

O designer participou da mostra com uma obra de protesto. Projetou uma mesa com as extremidades muito pontudas, que machucaria quem tentasse encostá-la. O móvel recebeu o sugestivo nome de Não me Toque.

 

“A imprensa quis saber o que tinha me levado ao conceito. Aí, eu contei. Foi uma ótima maneira de tornar aquilo público para a sociedade.”

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