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Posseiros que não se apresentarem perderão terra na Amazônia, diz governo

Em entrevista à BBC, secretário afirma que expectativa é de 'adesão maciça' ao Terra Legal.

Por Fabrícia Peixoto
Atualização:

O programa de regularização fundiária na Amazônia Legal, já em curso nos municípios que mais desmatam, tem como meta atingir as 300 mil propriedades ilegais em um prazo de três anos. O governo espera uma "adesão maciça", sobretudo dos pequenos proprietários, que poderão recorrer a financiamentos públicos para adequarem suas terras às obrigações ambientais. "No limite, quem não se apresentar perde o imóvel", diz Carlos Guedes, secretário-adjunto de regularização fundiária da Amazônia Legal, ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Guedes rebate a crítica de ambientalistas de que a lei, ao permitir a venda das terras maiores depois de três anos, abre caminho para especulação. "Os novos compradores também terão de cumprir as mesmas características do proprietário original. Ou seja, não pode ter terra em outro lugar, não pode ser pessoa jurídica, não pode ter outra renda, tem de viver na região e precisa de nossa anuência", diz o secretário. A lei 11.052, publicada na última sexta-feira no Diário Oficial da União, é resultado da Medida Provisória 458, que foi motivo de polêmica envolvendo governo, ambientalistas e representantes do setor rural. A seguir, trechos da entrevista de Carlos Guedes à BBC Brasil. BBC Brasil - Um dos principais argumentos dos ambientalistas é de que a possibilidade de venda dos imóveis maiores, após três anos, poderá atrair especuladores. Vocês têm mecanismos para coibir essa prática? Carlos Guedes - A própria legislação, se você ler atentamente, prevê que os novos compradores terão de cumprir as mesmas características do proprietário original. Ou seja, não pode ter terra em outro lugar, não pode ser pessoa jurídica, não pode ter outra renda, tem de viver na região e precisa da anuência do governo, entre outras condições. BBC Brasil - Os ambientalistas também criticam o fato de que, nas pequenas propriedades, a avaliação será feita por declaração do próprio posseiro, e não por meio de vistoria... Guedes - Isso não é verdade. É outra informação equivocada, de que estaríamos abrindo mão das vistorias. Nos imóveis até 400 hectares, que são familiares, constituímos a vistoria como uma faculdade. Mas independentemente disso, faremos o cadastramento e o georreferenciamento desse imóvel. Ou seja, iremos nesse imóvel e identificaremos os limites. Fazendo o cadastramento e o georreferenciamento de imóveis pequenos, vamos avaliar se houve conflito agrário, desmatamento recente e vamos fazer uma nova visita, para fazer a vistoria. Essa vistoria é obrigatória para os imóveis acima de 400 hectares. Além disso, nós pré-determinamos regiões onde faremos a vistoria independentemente do tamanho do imóvel, dado o histórico de conflito agrário e de desmatamento. BBC Brasil - Então todos os imóveis, inclusive os com até 400 hectares, serão visitados? Guedes - Faremos o georreferenciamento. É errada essa ideia de que apenas com a declaração o cidadão será regularizado. O programa nunca teve essa concepção. O programa funciona com três passos: primeiro, o cadastramento; segundo, o georreferenciamento, e o terceiro, a regularização, quando então avaliamos a necessidade de se fazer a vistoria ou não, no caso de imóveis até 400 hectares. BBC Brasil - A lei prevê uma série de obrigações após a regularização da posse. O governo vai ter braço para fiscalizar essas propriedades? Guedes - Toda pessoa que está se cadastrando no Terra Legal, para regularização fundiária, já inicia um processo de regularização ambiental. Ou seja, nosso cadastro vai valer também para o cadastro ambiental. Além disso, garantiremos assistência técnica para as famílias poderem montar um planejamento da propriedade, com identificação da reserva legal. Por meio do Pronaf Sustentável, haverá financiamento para apoiar não só uma cultura específica, mas também todo o planejamento da propriedade. Uma outra inovação importante é que nós estamos montando todo um monitoramento pós-título, que vai contar com um mix de imagens de satélites e de radar, inclusive utilizando imagens captadas pelo mesmo avião que ajudou no processo de identificação no acidente da Air France. Esse avião, que é do sistema de proteção da Amazônia, será utilizado todo ano para identificar se houve alteração na cobertura florestal nos imóveis que nós regularizamos. Como uma das cláusulas do título de propriedade que nós vamos dar é a cláusula ambiental, ao identificar uma alteração da cobertura, nós vamos a campo verificar se o cidadão está de acordo com o cronograma. No limite, pode haver anulação do título. BBC Brasil - E no caso do posseiro que não tem interesse em entrar para o programa? Guedes - Depois do cadastro e do georreferenciamento, faremos uma análise do restante das terras que estão ocupadas, mas cujos donos não se apresentaram para fazer a regularização e, assim, tomar as providências que forem necessárias, inclusive prevendo a retomada desses imóveis. BBC Brasil - Então, em uma situação extrema, o posseiro será convidado a se retirar? Guedes - Exatamente. Minha impressão é de que no caso dos imóveis até 400 hectares, que são 90% dos casos que nós vamos atender, veremos uma demanda maciça pela regularização. Essa questão de alguém não querer aparecer imagino que acontecerá de forma marginal. BBC Brasil - Se todas as propriedades forem regularizadas, a União deixa de ter terras na Amazônia Legal? Guedes - Esses 67 milhões de hectares, que são as terras da União com as quais estamos trabalhando, são terras que não foram destinadas para outros núcleos, como por exemplo, unidades de preservação, terras indígenas, projetos de assentamento etc. Antes de entrarmos nas áreas para regularizar, estamos consultando todos esses órgãos que trabalham com a questão do território, como o Serviço Florestal, que trabalha com floresta pública; o Instituto Chico Mendes, que trabalha com unidades de conservação; o próprio Incra, que trabalha com projetos de assentamento, e estamos fazendo a pergunta: há interesse nessa área onde faremos a regularização? Se os órgãos disserem que não há interesse, aí sim nós entramos com a regularização fundiária. Ou seja, esses órgãos têm prioridade. BBC Brasil - Sancionada a lei, como fica o trabalho prático? O processo de regularização já começou? Guedes - O trabalho começou na semana passada, com o cadastramento das posses, começando pelos municípios que mais desmataram segundo o Ministério do Meio Ambiente. Estamos fazendo um mutirão, não só para regularização fundiária, mas também ambiental, para acesso a informações e cadastramento. Todas as pessoas cadastradas têm seus nomes publicados no portal do programa e inclusive criamos um mecanismo de denúncia eletrônica, para que a população como um todo, as lideranças, os ambientalistas, possam nos apontar se identificam situações de pessoas que não podem ser regularizadas pelo programa. BBC Brasil - Qual a expectativa? Guedes - A expectativa é de um atendimento de 200 pessoas por dia. Se abrirmos novas frentes, como previsto, poderemos atingir as 300 mil propriedades em três anos. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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