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Paisagista diz que há ‘ataque político’ contra jardins verticais e corredores verdes

Guil Blanche, do Movimento 90º, afirma que compensação ambiental no ambiente urbano não está associada apenas à captação de carbono e ao efeito estufa

Por Leonardo Pinto
Atualização:
Entorno do Minhocão foi o principal local escolhido pelo Movimento 90º para instalar os jardins verticais Foto: Hélvio Romero/ Estadão

Ele não se considera um ativista ambiental. Segundo o paisagista Guil Blanche, rótulos como esse são usados por mera soberba e para atingir certa posição de poder. Blanche é criador do Movimento 90º - empresa pioneira nos jardins verticais no entorno do Viaduto do Minhocão e do corredor verde da Avenida 23 de Maio, instalado no começo deste ano como bandeira da gestão do prefeito João Dória (PSDB), mas que já vinha sendo apoiado como projeto de compensação ambiental desde o governo de Fernando Haddad (PT).

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Nascido em Goiânia e morador de São Paulo há quase 10 anos, Blanche, aos 27 anos, se define como um “jardineiro da cidade”, reparando concretos cinzas com o verde das plantas. De acordo com o paisagista, desde a fundação do Movimento 90º, em 2013, foram preenchidos pouco mais de 15 mil metros quadrados com áreas verdes (10950 m² na Av. 23 de Maio e 4180 m² no Minhocão).

De um manifesto divulgado nas redes sociais apresentando os benefícios dos jardins verticais, o projeto cresceu e se tornou política pública na capital paulista. Em 2015, a Prefeitura de São Paulo, na gestão Haddad, considerou as coberturas verdes uma nova forma de compensação ambiental, ao lado de plantio de árvores nativas, por exemplo. Segundo um estudo da Universidade de British Columbia, os jardins verticais conseguem absorver 6,57 kg/m² de CO2 por ano. Para efeito de comparação, um estudo da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq), calculou que, na Mata Atlântica, o equivalente a um metro quadrado de árvores plantadas absorve 12,8 kg por ano. 

Porém, segundo Blanche, não é o caso de comparar diretamente apenas a capacidade de compensação de emissões de CO2 entre pequenas plantas e árvores, já que as paredes verdes oferecem outros benefícios, como diminuição da temperatura local. De acordo com a tese de livre-docência da professora Denise Duarte, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, as coberturas vegetais no meio urbano garantem um alívio térmico nas ilhas de calor formadas nas grandes metrópoles. O estudo está na bibliografia que fez parte do processo de pesquisa do Movimento junto à Prefeitura, quando ambos firmaram parceria, em 2015, para implementar os jardins verticais, primeiramente, na região do Minhocão e, neste ano, na Avenida 23 de Maio como contrapartida de uma empresa que desmatou quase 900 árvores em um empreendimento no bairro do Morumbi. De lá para cá, a discussão sobre se a medida tem ou não significativo retorno ambiental só aumentou.

Como surgiu o Movimento 90º e a paixão pelos jardins verticais?

O Movimento surgiu de algo bem intuitivo, de uma visão nossa de cidade. São Paulo tem muitas paredes, e ocupando essas paredes a gente poderia trazer mais áreas verdes. Em 2013 eu escrevi um manifesto e, quando começou a circular, uma marca veio até mim e ofereceu fazer um jardim do lado do Minhocão. Foi incrível e gerou grande impacto. A intenção, a partir daí, foi pensar isso como política pública. Em um ano, mapeamos as principais avenidas de São Paulo e chegamos a 500 paredes, que significam cerca de 270 mil m². A maior concentração de paredes está nas grandes avenidas, onde tem mais calor e mais barulho. Foi aí que tivemos a ideia de um corredor verde, uma sequência de jardins verticais, para reduzir esse foco nos carros. Em São Paulo, a rua é dos carros, mas o verde deve estar presente também, ajudando na saúde das pessoas e na paisagem.

Há, de fato, um ganho estético na paisagem da cidade. Mas é só isso?

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Quem fala que é só pela estética não sabe o que está falando. Não sou eu que estou defendendo. São pesquisas do mundo inteiro dizendo que os jardins verticais são muito mais do que uma questão estética. Não que este fator seja pequeno e pouco importante. Mas, além de bonitos, eles trazem uma série de benefícios de conforto ambiental à cidade, como regulação de temperatura, captação de gases prejudiciais à saúde, inclusive o CO2, e redução do barulho, que acabam sendo questões fundamentais para o convívio na cidade.

A compensação ambiental no ambiente urbano deve ser pensada de outra maneira?

Uma coisa fundamental para se perguntar é: o que é compensação ambiental no ambiente urbano? Quem disse que compensação ambiental está somente associada a gases de efeito estufa? Se você pensar no meio ambiente urbano, o principal fator são as pessoas. Tem questões psicológicas, emocionais e de saúde envolvidas. A discussão para em torno da emissão dos gases, principalmente o gás carbônico (CO2). O que tem acontecido é que algumas pessoas não estão por dentro do que os jardins verticais representam e surgem com um questionamento muito político.

Como surgiu a discussão sobre a validade compensatória dos jardins verticais?

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Quando a Prefeitura autorizou a instalação de jardins verticais como contrapartida para empresas degradantes ao meio ambiente, pensamos em realizar o projeto no Minhocão porque lá há peculiaridades alarmantes, como expectativa de vida de 15 anos a menos em comparação a outros lugares da cidade, grande concentração de paredes sem janelas nos prédios, muito barulho e muita poluição por causa dos carros. O (Gilberto) Natalini, que depois foi secretário municipal do Verde e Meio Ambiente, na época era vereador e se opunha muito ao Haddad. Ele chegou a abrir uma CPI na câmara para levantar mais informações sobre os jardins verticais. A conclusão dessa CPI foi uma piada.

Por quê?

Eles convidaram o botânico Ricardo Cardim para opinar. E, nessa época, ele chegou a apoiar porque ele tinha uma empresa justamente de jardins verticais. Depois ele estava saindo desse ramo e começou a combater o assunto porque ele abriu a própria empresa, com foco no plantio de mudas nativas. É um cara da TV Globo, que tem certa força na mídia. Ele que criou toda essa polêmica e conseguiu virar a discussão para um olhar completamente vazio. Na CPI, disse que os jardins verticais não deveriam ser compensação ambiental porque eles captam menos CO2 do que as árvores. Isso sem nenhum embasamento. E a CPI se baseou nessa opinião e concluiu que não deveria ser uma forma de compensar. Mas ele não entendeu que há muitos contratos parados de compensação ambiental na Prefeitura e que o seu projeto de mudas nativas, algo muito legal por sinal, pode ser regularizado também. As coisas não competem. São complementares. Tem que ter plantio de mudas nativas e também jardins verticais. São Paulo é problemática. Morar aqui é desconfortável para caramba. Quanto mais verde, melhor. Se dependesse de mim a cidade inteira estaria cheia de árvores. Mas árvore e jardins verticais são coisas incomparáveis. Uma ocupa uma parede, a outra ocupa o chão. A população em geral ama os jardins verticais. A questão é que tem poucas pessoas com alguma influência que conseguem gerar barulho. É uma sacanagem com a cidade. O corredor da 23 de Maio, por exemplo, tem um impacto direto nas pessoas. Elas veem aquele verde diariamente e, assim, passam a se policiar e a cuidar melhor do seu entorno.

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Como a política, na sua opinião, interferiu no andamento do seu projeto?

Quem sai perdendo com a política pública baseada em opiniões inseridas no meio político é a população. As políticas da gestão publica devem ser baseadas em dados. Os dados refletem de fato o desejo das pessoas. O desejo é a necessidade das pessoas. Mas ainda assim gerou-se essa oposição e até então não pararam de fazer barulho. Se você conversar com grandes pesquisadores do meio ambiente urbano, uma turma mais séria, os caras estranham essa discussão. Tanta coisa para pensarmos na cidade e isso acaba virando pauta como ataque político. A cidade tem que ser cada vez mais pautada na vontade e na necessidade das pessoas e não na opinião de alguns interesses individuais, que foi o que causou esse caos em São Paulo. Basta. Agora é a vez de fazermos a cidade para as pessoas.

Você se considera um ativista?

Honestamente não me considero nada. Tenho a intuição que esse é um dos termos, como ambientalista, que, apesar de não definirem nada especificamente, as pessoas se cunham assim para se colocarem em determinadas posições de poder. Mas quando penso no meu papel no mundo me vejo como um jardineiro. A ação do jardineiro se dá na presença e no contato com a natureza com uma postura intuitiva de identificar excessos e demandas para trazer à tona a vida em seu maior potencial.

Projeto do corredor verdecustou R$ 9,7 milhões para ser instalado Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

OUTRO LADO

Ouvido pela reportagem do Estado, Ricardo Cardim disse que é impossível substituir árvore por paredes verdes. “Árvore cortada só pode ser substituída por árvore plantada. Não existe, tecnicamente falando, a menor possibilidade de substituir árvores cortadas por paredes verdes, jardins verticais. São coisas completamente diferentes, com pesos ecológicos diferentes e com custos diferentes. Não se adequa. O que foi feito na Avenida 23 de Maio e no Minhocão foi um absurdo”, afirma o mestre em Botânica pela Universidade de São Paulo (USP).

Segundo o botânico, as cerca de 900 árvores removidas para dar lugar ao empreendimento no Morumbi representam uma floresta inteira de Mata Atlântica, com todo um ecossistema complexo de arbustos, trepadeiras, bromélias e mais a fauna. De acordo com Cardim, isso gerou um passivo de 26 mil árvores como compensação ambiental, já que plantas mais antigas são capazes de absorver mais CO2. “Compensaria se fosse realmente plantada essa quantidade em São Paulo, e isso foi trocado por plantinhas em vasos na vertical”, afirma. “O ex-prefeito Fernando Haddad, muito mal informado, atendeu a supostos interesses comerciais de empresas de paredes verdes. E o prefeito João Doria adotou essa má ideia e continuou com o processo”, diz Cardim.

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Ele afirma que, apesar de ter sido sócio da empresa SkyGarden, especializada em jardins verticais, nunca foi adepto do conceito de paredes verdes como forma de compensar danos ao meio ambiente. “Até agosto de 2016 eu tive uma empresa de telhado e paredes verdes. Então, eu fiz muitos jardins verticais na cidade, eu sei o que estou falando. Fiz mais de 500. Eu não tenho nada contra paredes verdes, acho uma solução ótima, desde que custeada integralmente, tanto a implantação quanto a manutenção, pela iniciativa privada. A única coisa que eu não concordo é trocar árvores cortadas por paredes verdes. A conta não fecha. Não tenho nada pessoal contra ninguém. É apenas uma opinião técnica”.

Quanto à CPI, Cardim afirma que ser contrário aos jardins verticais como compensação ambiental não tem relação com o fato de, alguns meses depois de depor como convidado da CPI, ter aberto seu próprio escritório, com foco no seu projeto Floresta de Bolso, que promove uma rede de voluntários para plantar mudas nativas na cidade. “Como uma pessoa que gosta da questão ambiental na cidade, eu fui chamado e coloquei minha opinião técnica nesse momento. Ele (Guil Blanche) pode alegar o que quiser, não vou comentar fofocas. Minha opinião é muito simples: paredes verdes não são substitutas de árvores urbanas. É só isso. Justamente por eu ter na época uma empresa que instalava paredes verdes eu poderia ter interesses comerciais e tirado vantagem desse projeto da Prefeitura”, diz o botânico.

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