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‘Mudança do clima é um dos maiores desafios à saúde humana’

Médica da Califórnia defende que médicos se preparem para lidar com o aumento de vítimas de eventos extremos e com a piora de doenças que o aquecimento global pode causar

Por Giovana Girardi
Atualização:

“As mudanças climáticas são um dos principais desafios à saúde que a humanidade tem de enfrentar. E não vai ser um impacto único, não é que vai causar uma doença nova, mas pode piorar muitos dos problemas de saúde que temos hoje.”

A declaração é de uma das principais especialistas na relação entre mudanças climáticas e impactos à saúde humana, a médica norte-americana Linda Rudolph, diretora do Centro para Mudança Climática e Saúde do Instituto de Saúde Pública em Oakland, Califórnia. 

Seca no Sistema Cantareira de abastecimento da Grande São Paulo. Casos mais frequentes e extremos de seca e inundações que podem ser causados pelas mudanças climáticas terão impacto à saúde humana Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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Ela veio ao Brasil para participar do seminário Hospitais Saudáveis, promovido pela associação de mesmo nome nesta terça e quarta-feira (1 e 2) no Hospital Sírio Libanês em São Paulo. Um dos motes do evento era justamente discutir quanto o setor de saúde pode ser impactado pelo aquecimento global. 

A mensagem transmitida por especialistas como Linda e Josh Karliner, coordenador internacional e diretor de Projetos Globais da organização Health Care Without Harm, é que o setor não só pode ajudar a reduzir o problema, adotando ações para reduzir suas próprias emissões de gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento global, como também precisa se preparar para lidar com um novo cenário de aumento de doenças causadas pela mudança no clima do planeta.

Em sua apresentação, Linda listou uma série de problemas que podem ser exacerbados pelo aumento da temperatura e frisou que será um impacto desproporcional. “Os mais pobres, os já doentes, os mais velhos e as crianças, os que vivem em áreas já muito poluídas terão suas condições dramaticamente pioradas”, disse.

Karliner destacou que os hospitais e centros de saúde podem ajudar a mitigar o problema. Segundo ele, se os hospitais dos Estados Unidos fossem um país, seriam o 10º maior emissor de gases de efeito estufa no planeta. Eles representam hoje 8% das emissões norte-americanas.

“Os hospitais e o sistema de saúde dos Estados Unidos são obesos, eles consomem mais recursos do que qualquer outro sistema de saúde do mundo. O que defendemos é que os hospitais podem liderar pelo exemplo, ao reduzirem sua própria pegada de carbono, porque eles são mensageiros para a sociedade sobre saúde. Eles podem eles mesmos fazer mudanças e influenciar mercados e políticas através das ações deles”, disse ao Estado.

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Ele defendeu que o setor participe do chamado Desafio 2020, um projeto proposto pelo organização Health Care Without Harm, para que os hospitais reduzam suas emissões e se tornem mais resilientes para lidar com o problema. Segundo ele, 32 grupos, que representam 1.200 hospitais principalmente nos Estados Unidos e na Europa, mas também no Brasil (Einstein e Sírio), já adotaram o desafio. A meta é alcançar 10 mil hospitais até 2020.

Pelos cálculos da organização, juntos eles poderiam reduzir anualmente a emissão de 26 milhões de toneladas CO2. “Seria como retirar 5,5 milhões de carros das ruas ou fechar 6,8 usinas de carvão ou instalar 7.000 turbinas eólicas”, diz.

“Está crescendo o consenso nos setores de saúde em todo o mundo de que as mudanças climáticas são provavelmente um dos maiores problemas à saúde que a nossa geração tem para enfrentar. A Organização Mundial de Saúde, por exemplo, no ano passado organizou a primeira conferência sobre saúde e mudanças climáticas, que teve a participação de ministros da Saúde de todo o mundo", afirma.

“O problema é real e vai impactar a vida de todo mundo. Não é só sobre salvar o urso polar ou uma floresta que está milhares de quilômetros de distância. É só sobre evitar asma, doenças cardíacas, é sobre construir um futuro saudável. É isso que significa combater as mudanças climáticas. É um desafio profundamente humano. E o setor de saúde precisa responder a isso”, complementa o ambientalista. 

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Leia a seguir entrevista que Linda Rudolph concedeu com exclusividade ao Estado. Ela explica por que as mudanças climáticas são hoje consideradas um dos maiores desafios à saúde humana.

Linda Rudolph, diretora do Centro para Mudança Climática e Saúde do Instituto de Saúde Pública em Oakland, Califórnia Foto: Divulgação

Quando se fala em mudança do clima e saúde, é comum as pessoas imediatamente relacionarem com doenças transmitidas por mosquito, que malária e dengue vão ficar atingir locais onde hoje elas não existem, mas hoje a compreensão do setor é que essa seria só uma das possibilidades? O risco de doenças infecciosas ainda é importante. Na Califórnia, por exemplo, agora temos o mosquito que transmite dengue e chikungunya. Isso nunca aconteceu antes e hoje temos o mosquito em vários condados. É questão de tempo para as doenças aparecerem. Mas hoje temos uma compreensão bem mais ampla do que pode acontecer. E é importante aumentar a consciência desses riscos em todo o sistema de saúde e ficar pronto e atento para eles. Os problemas são os mais diversos e terão um impacto diferente conforme a região, conforme a situação econômica do local. Os mais pobres certamente serão os mais afetados, mas todo mundo está sujeito a isso. Os efeitos à saúde começam com a relação mais direta: ondas de calor podem matar. Os eventos de calor extremo são hoje os líderes de mortes ligadas às mudanças climáticas. Mais de 7 mil pessoas na Europa, 15 mil na Rússia. Mas há vários outros impactos indiretos. O calor piora os casos de asma e problemas cardíacos. Estudos mostram que o aumento da temperatura eleva também os níveis de ozônio e de material particulado, que causam problemas respiratórios. Aumenta a temporada de pólen, causando alergia. Aumenta o número de casos de incêndio. Além disso temos todas as implicações à saúde ocasionadas por secas. Parece óbvio, mas é sempre bom lembrar: humanos precisam de água para sobreviver. E para ter saneamento. Sem ele, várias outras doenças podem aparecer. Hoje temos uma noção muito melhor de quão significativos serão os impactos sobre comida e água vão ser para as pessoas, em especial o declínio sobre as culturas agrícolas, levando à fome. Globalmente outro grande risco são as migrações forçadas, que trazem junto riscos à saúde. Muita gente acha que a seca na Síria, por exemplo, que gerou o deslocamento de tantas pessoas, pode ter sido um dos fatores a contribuir com a guerra naquele país. Não é a razão principal, claro, mas certamente ajudou ao acabar aproximando pessoas de grupos étnicos diferentes e em situações em que não havia recursos naturais suficientes para todo mundo. O que é uma receita para o conflito.

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A sra. lida com essas questões na Califórnia, que vem sofrendo com uma grave seca. Esse problema fez com as população passasse a entender melhor a questão das mudanças climáticas? Sim, com certeza houve uma mudança de atitude. A Califórnia é diferente do resto dos Estados Unidos. Nossas políticas climáticas sempre foram mais agressivas, mesmo com governantes republicanos. Começou com o governador (Arnold) Schwarzenegger (de 2003 a 2011), que era republicano, e continua com (Jerry) Brown, que é democrata. Há um grande consenso de que temos de adotar ações para combater as mudanças climáticas mesmo em partes mais conservadoras do Estado. Mas a seca contribuiu para mostrar que isso é um problema real e que os norte-americanos não estão imunes a ele só porque somos um país rico. Riqueza pode não salvar nossa agricultura se a seca continuar. Essa consciência cresceu, mesmo que sejam justamente os mais pobres que vão sofrer mais as consequências.

O presidente Obama recentemente ao anunciar seu Plano de Energia Limpa (para reduzir as emissões do setor de energia em 32% até 2030) destacou várias vezes os impactos positivos que isso pode trazer à saúde. Disse que vai prevenir 3,6 mil mortes prematuras. Mostrar a relação entre saúde e mudanças climáticas ajuda na compreensão do problema? Sim, eu fiquei tão feliz com isso! Essa é a melhor forma de atrair a atenção das pessoas. Um estudo feito por Edward Maibach, da Universidade George Mason, mostrou isso. Sua equipe deu vários textos diferentes para voluntários lerem sobre mudanças climáticas e depois perguntaram se essas pessoas concordavam com medidas para combater o problema. As pessoas se mostraram mais preocupadas e mais dispostas a apoiar políticas nesse sentido foram as que leram sobre os impactos à saúde. Porque elas perceberam que elas podem ser afetadas. Um dos desafios que nós temos é o fato de que justamente muito poucas pessoas realmente entendem todas as facetas de como as mudanças climáticas podem afetar a saúde humana. Para muita gente, o problema é para os ursos polares, ou para pessoas que moram do outro lado do planeta ou que só vai acontecer só no futuro. Poucos entendem que está acontecendo agora e pode atingir todos nós. Fazer todo mundo compreender isso é a estratégia que nós que trabalhamos com saúde temos de buscar. As pessoas confiam nos seus médicos. Temos de usar nossa voz e nossa credibilidade para passar essa mensagem.

Quando a sra. começou a trabalhar com essa missão? Eu trabalho com esse assunto há cerca de 10 anos. Eu era secretária de Saúde e diretora de Saúde Pública da cidade de Berkeley, que é uma cidade pequena da Califórnia e bastante progressiva, e fui convidada pelo gabinete do prefeito para falar dos impactos à saúde das mudanças climáticas. Na época eu trabalhava com a prevenção de doenças crônicas, como hipertensão, doenças cardíacas, diabetes, eolhei pra ele e disse: Ãh? Mas comecei a ler sobre o assunto e duas coisas me surpreenderam. Primeiro, quão sério era o problema. Eu havia lido sobre mudanças climáticas, mas nada na imprensa falava sobre impactos à saúde. Eu fiquei chocada pela magnitude do problema. Como eu podia não saber aquilo tudo? E a segunda coisa que realmente chamou minha atenção foi que naquela época estávamos falando muito sobre a necessidade de as pessoas fazerem mais atividade física, por exemplo andar e pedalar, de a cidade ter mais parques, menos poluição. Em como tudo isso poderia melhorar a saúde, levar a menos obesidade, casos de asma, etc. E percebi que algumas das soluções para combater as mudanças climáticas teriam o mesmo efeito. Estávamos falando sobre as mesmas coisas e vi como isso é lindo.

Quando se tornou conhecido o problema do buraco na camada ozônio, no final da década de 80, as pessoas em geral entenderam muito rápido o problema porque ele estava ligado diretamente a um impacto na saúde, ao risco de causar câncer de pelo. Falta às mudanças climáticas uma relação assim direta à saúde? Exatamente. Um dos principais desafios em comunicar as mudanças climáticas é que tem tantos impactos diferentes e tantas causas. Claro que é sobre combustíveis fósseis. Mas é sobre o nosso sistema de energia, de transporte, é sobre o metano que sai da agropecuária. Não é tão simples quanto apontar o dedo para o tabaco ou para os gases CFC que provocam o buraco na camada de ozônio. E por isso mesmo não tem uma solução fácil, porque há várias soluções. E por ter várias soluções, todo mundo tem um papel nisso, não importa em qual setor você trabalhe. Mas por todo mundo ter um papel, é difícil para as pessoas entenderem qual é o deles. Durante a minha apresentação eu passei 25 minutos listando um leque enorme de problemas que podem acontecer. E as coisas que podem acontecer são muito diferentes por região ou sua distribuição é muito desigual, afetando os mais pobres. São muito mais difíceis de dizer algo como: causa câncer de pele.

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