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Lei ambiental deve ter pena mais dura

‘Há necessidade de que o Estado se faça presente de forma vigorosa’, diz o promotor Nelson Bugalho

Por Lucas Frasão
Atualização:

Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo desde 1987, Nelson Bugalho, de 46 anos, é responsável por um dos seis núcleos estaduais do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente. Com mais de 20 anos de experiência na área, defende a necessidade de revisão na Lei de Crimes Ambientais, mas alerta para o "risco" da presença de "oportunistas".   Veja tembém:  Meio ambiente especial - biodiversidade  Meio ambiente especial - sustentabilidade  Meio ambiente especial - biomas  Meio ambiente especial - emissões de CO2  Meio ambiente especial - Dez defensores da preservação Especial: Quiz: você tem uma vida sustentável?  Especial: Evolução das emissões de carbono  Especial: Perguntas e respostas sobre reciclagem Especial: As ações diárias que salvam o planeta  Blog: Andrea Vialli: Sustentabilidade   Qual a proporção de gravidade entre crimes ambientais cometidos por pessoas físicas e jurídicas? Na área ambiental, os mais graves geralmente são praticados pela pessoa jurídica. É claro que, por trás da pessoa jurídica (empresas), existem as físicas. Mas os de maior magnitude geralmente têm a pessoa jurídica por trás.   Os crimes ambientais podem receber o mesmo tratamento jurídico que os comuns? A Lei de Crimes Ambientais não dispensa o mesmo tratamento. Mas, infelizmente, ela tem penalidades de pouco grau de persuasão. Há crimes ambientais que recebem tratamentos mais tênues do que os delitos do Código Penal. Alguém que risca um carro, por exemplo, está sujeito a uma pena de 1 a 6 meses de detenção ou multa. Se o indivíduo destrói uma floresta inteira, está sujeito a uma pena mínima de 1 ano. Há um tratamento desproporcional.   O ambiente não é um bem jurídico considerado menos importante em relação a outros? A questão ambiental sempre teve uma atenção periférica do legislador brasileiro. Só por causa do que vem ocorrendo nas últimas décadas, em que estamos realmente sentindo os efeitos da crise ecológica, ela passa a ter atenção central.   O senhor concorda que a Lei de Crimes Ambientais deixou lacunas no que diz respeito à responsabilização penal da pessoa jurídica? Evidentemente. Nos crimes contra o patrimônio florestal, por exemplo. O Brasil possui algumas vegetações, mas a lei se refere ora a uma, ora a outra, deixando de lado outras igualmente importantes. Quando o legislador verticaliza muito o bem jurídico, ele acaba comprometendo a proteção.   Não seria o caso de se criar mecanismos para garantir a aplicabilidade dessa lei? Passados mais de dez anos da edição da lei, acho que já era a hora de fazer uma revisão. É que há sempre um risco, e surgirão oportunistas querendo deixar a lei mais imperfeita. Mas há necessidade de revisão, inclusive no que se refere à responsabilização penal da pessoa jurídica. Uma crítica que muitos doutrinadores fazem é que, até hoje, não há legislação processual penal própria para esse tipo de responsabilidade, e deveria existir.   Uma vez identificado o crime ambiental, como responsabilizar os componentes individuais de uma empresa, por exemplo? A lei não permite punir criminalmente apenas a pessoa jurídica. Ela exige que seja identificada a pessoa física que tomou a decisão de realizar o comportamento criminoso. Então, há a necessidade de se apurar, o que dificulta o processo criminal. Um dos argumentos utilizados para se criar a responsabilização penal da pessoa jurídica foi justamente o fato de as pessoas físicas se esconderem atrás das jurídicas. Mas caímos na mesma situação.   Os valores das multas por crime ambiental não são irrisórios para empresas com muito dinheiro? Isso é comum e não inibe a continuidade da atividade lesiva. A empresa é advertida, sofre multas e ainda discute judicialmente a legalidade da imposição. Enquanto isso, realiza sua atividade industrial.   Como calcular o valor de um reparo por dano ambiental se os danos forem irreversíveis? Isso é difícil de responder, porque há técnicos que aplicam metodologias em cada caso.   De modo geral, o senhor acredita que a existência das leis ambientais, aliada a uma necessidade mundial de se desenvolver com sustentabilidade, tem melhorado a atitude das empresas em relação aos crimes ambientais? Tem melhorado, sim, mas nas regiões em que os órgãos de fiscalização e o Ministério Público estão atentos. Se não houver atuação dinâmica, é claro que há um afrouxamento das regras e não haverá tanta preocupação das empresas. Há necessidade de que o Estado se faça presente de forma vigorosa. Creio que a legislação, por si só, não seja suficiente.   Em que nível se consegue fiscalizar e punir os crimes de pessoa jurídica no Brasil? Creio que a maior parte dos crimes ambientais, pelo menos em termos quantitativos, sequer chega ao conhecimento dos órgãos ambientais. A fiscalização é feita por poucos. E a estrutura de fiscalização do poder público é pequena diante da dimensão territorial brasileira. Há situações em que a polícia ambiental está com seus carros parados na garagem por falta de dinheiro para manutenção, por exemplo. Isso acaba deixando impune grande parte dos degradadores.   Se a sanção penal da pessoa jurídica por dano ambiental está prevista na Constituição, mas o combate a esses crimes ainda é tímido, não podemos identificar, de certa maneira, uma atitude inconstitucional, por omissão legislativa? Apesar de não existir no direito processual brasileiro um sistema próprio para a responsabilidade penal da pessoa jurídica, ele vem sendo adaptado a uma nova realidade. As condenações vem ocorrendo. Deveria haver maior preocupação do Congresso para melhorar a legislação ambiental penal e processual, em vez de se mobilizar para alterar o Código Florestal, e piorá-lo. Hoje, a discussão que se vê no Congresso vai contra a maré.

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