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Investigação sobre óleo no Nordeste mira 23 navios suspeitos

Marinha e Polícia Federal cruzam informações para descobrir a origem do poluente; uma das suspeitas é de que material seja de uma embarcação "fantasma"

Foto do author André Borges
Foto do author José Maria Tomazela
Por André Borges e José Maria Tomazela
Atualização:
Mais de 130pontos do litoral do Nordeste foram atingidos pela mancha Foto: Adema/Governo de Sergipe

BRASÍLIA - As investigações sobre a origem do petróleo que contamina todo o litoral do Nordeste se concentram, na fase atual, em 23 embarcações suspeitas. O trabalho é conduzido pela Marinha e Polícia Federal.

O cruzamento de informações, conforme apurou a reportagem, apontam que, na região investigada, havia embarcações de diversas origens. O trabalho se concentra em cruzar rotas mais usadas no transporte de petróleo e a direção que as toneladas de óleo tomaram até chegar às praias do Brasil.

Vazamento afeta o turismo e a pesca da região desde o começo de setembro Foto: Marcos Rodrigues/Adema/Agencia Sergipe de Notícias

Conforme mostrou o Estado nesta terça-feira, 8, o material identificado até agora em amostras tem a “assinatura” do petróleo da Venezuela, ou seja, a composição da borra é de origem venezuelana, segundo estudos da Petrobrás e da Marinha.

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A hipótese de que o petróleo lançado no mar brasileiro seja fruto de naufrágio está praticamente descartada pelo governo. Uma das linhas de investigações, segundo fonte que participa das apurações, considera, inclusive, o tráfego de “navios fantasmas”, embarcações criminosas de piratas que poderiam atuar no contrabando de petróleo.

O governo continua a tratar do tema com sigilo. Nesta quarta-feira, 9, em audiência na Câmara dos Deputados, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que, “ao que tudo indica, se trata de um navio estrangeiro”. 

Questionado pelo Estado, o ministro afirmou que a pasta tem atuado para conter os danos e remover o material que chega às praias. Mais de 100 toneladas de borra de petróleo já foram recolhidas. O trabalho é de difícil execução porque o petróleo não avança sobre a lâmina d’água, mas no fundo do mar, até chegar ao litoral. 

Para o pesquisador Marcus Silva, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), os estudos indicam que o derramamento de óleo pode ter sido feito por um navio, no fim de agosto, a uma distância de 40 ou 50 quilômetros da costa. As correntes marítimas e os ventos levaram o óleo para o Nordeste. Segundo ele, o Centro Integrado de Segurança Marítima da Capitania dos Portos de Pernambuco está utilizando dados de satélite para identificar os navios-tanques que passaram por essa região da costa no fim de agosto.

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Especialistas divergem sobre possível percurso do poluente no mar

Especialistas divergem sobre as hipóteses para explicar a rota percorrida pelo óleo antes de chegar ao Nordeste. De acordo com pesquisadores, é preciso ainda entender as rotas dos navios e as correntes marítimas para indicar o percurso do poluente, apontado como venezuelano pela investigação da Marinha e da Petrobrás. A Venezuela detém 17,9% das reservas comprovadas de petróleo do mundo, à frente da Arábia Saudita (15,7%), mas sofre nos últimos meses com o embargo às exportações para os Estados Unidos, seu principal comprador, determinadas pelo presidente Donald Trump. Uma das possibilidades seria o uso de embarcações venezuelanas com identificadores desligados, com o objetivo de burlar o embargo americano. Marcus Silva, da UFPE, não descarta a possibilidade de ter acontecido o vazamento durante eventual transbordo do óleo de um navio para outro. Sobre a possibilidade de ser petróleo venezuelano, o professor disse que é necessário, primeiro, identificar o barco que transportava o produto e descobrir a sua procedência. Já o economista Iderley Colombini Neto, especialista em geopolítica do petróleo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acha improvável que o óle tenha saído da Venezuela. “A exploração de petróleo da Venezuela é interna, em lagos como o de Maracaibo, e não se conecta com o mar. Poderia ter sido no Suriname e na Guiana Francesa, que estão com explorações em fase de testes, e nessa fase o risco de vazar é maior. Mas a produção é muito pequena e a fase é quase só de prospecção. Ainda assim tem a questão da corrente marítima, que é do sul para o norte. Não teria como o óleo vir para o Nordeste.” O especialista lembra que 90% do petróleo venezuelano iam para os Estados Unidos, descarregado em refinarias do Golfo Pérsico. “Qualquer operação não regular para abastecer aquelas refinarias ou, eventualmente, seguir para Cuba, não passaria pela costa brasileira. Os petroleiros que navegam em águas brasileiras são os que operam na Bacia de Santos e vão levar petróleo para a Europa e outros destinos. Faz mais sentido mapear esses barcos.” Para ele, também é improvável que todo o óleo seja derivado de um único navio. “A quantidade de petróleo que chegou às praias é gigantesca, estimando-se em cerca de 30 mil barris. Um navio só causaria esse impacto se estivesse abarrotado de petróleo e abrisse todas as comportas.” Em nota, a Marinha informou que, desde o início do aparecimento das manchas, realiza inspeções no litoral do Nordeste e patrulha naval, com ênfase nas áreas onde existem ocorrências mais recentes, nos litorais de Sergipe e norte da Bahia. Também continua analisando as informações do tráfego mercante na região, com o monitoramento dos navios que passaram pelas águas jurisdicionais brasileiras. Cinco navios, uma aeronave e embarcações das Capitanias dos Portos do litoral nordestino estão mobilizados. A análise do material coletado pela Marinha está sendo feita pelo setor de Geoquímica Ambiental de Estudos do Mar, que apresentou resultados indicando perfis químicos compatíveis com petróleo cru, sem fazer menção à origem. “Para elucidação dessa ocorrência, a Diretoria de Portos e Costas conduz um Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN). Nesse processo, são analisados os dados do tráfego marinho na área, as informações de patrulha de navios e aeronaves da Marinha do Brasil, simulações computacionais sobre as influências de corrente no Atlântico Sul e análise dos perfis dos resíduos coletados”, informou. Ibama, ICMBio, Polícia Federal, Agência Nacional do Petróleo (ANP) e outros órgãos participam das medidas.

Procurada, a PDVSA, estatal petrolífera venezuelana, não se manifestou até a noite desta quarta-feira, 9. 

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