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Financiamento ameaça rachar a Cúpula do Clima em Paris

Questão dos US$ 100 bilhões pré-2020 é maior entrave na COP-21; países desenvolvidos cobram participação dos emergentes

Por Giovana Girardi e Andrei Netto
Atualização:

PARIS - Desde o fatídico fracasso da 15.ª Conferência do Clima (COP-15), em Copenhague, 2.179 dias se passaram. Cinco anos, 11 meses e 19 dias depois, uma questão central que jogou por terra as negociações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento na Dinamarca continua a travar um acordo mundial para enfrentar as mudanças climáticas: o dinheiro. Reunidos em Paris, ministros e diplomatas penam para superar divergências sobre o financiamento anual de US$ 100 bilhões que deveria ser transferido às nações mais pobres para adaptação ao aquecimento global.

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Segundo negociadores ouvidos pelo Estado, o tema envenena as discussões na 21.ª Conferência do Clima (COP-21). A cinco dias do prazo final para um grande acordo multilateral que deverá garantir que a temperatura média da Terra não se eleve mais de 2ºC até 2100, muito resta a fazer para colocar em sintonia os países mais desenvolvidos – Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão, mais Europa – e as nações do chamado G77+China – o grupo formado por grandes emergentes e países em desenvolvimento. 

O enfrentamento ocorre porque, pelo acordo que rege a Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, países industrializados, que desde a Revolução Industrial emitiram mais gases de efeito estufa, são considerados os maiores responsáveis pelo aquecimento global. Essa avaliação faz com que os membros do G77+China devam ser beneficiados por um mecanismo que permita receber fundos de países “ricos” com o objetivo de financiar ações de adaptação às mudanças climáticas.

Em Copenhague, em um dos raros pontos de acordo, ficou definido que os países desenvolvidos transfeririam aos em desenvolvimento um total de US$ 100 bilhões até 2020. Há cerca de um mês, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou relatório indicando que até o fim deste ano devem ser alcançados US$ 62 bilhões. Mas como se chega a esse valor ainda é muito contestado.

COP 21 acontece em Paris e reúne discussões sobre mudanças climáticas no mundo Foto: Eric Piermont|AFP

Um exemplo: pesquisadores da Universidade Brown (EUA) analisaram 5.201 projetos para adaptação, registrados em 2012, que movimentaram cerca de US$ 10 bilhões. Mais de 70% deles, de acordo com o trabalho, não se encaixavam em ações para adaptação às mudanças climáticas. “O grande problema é que os países em desenvolvimento não foram consultados para dizer o que conta, para eles, como financiamento climático. Do jeito que funciona hoje, os países ricos dizem que deram ‘isso, isso e aquilo’ e eles podem contar qualquer coisa que queiram”, afirma Timmons Roberts, professor de estudos ambientais e um dos líderes do trabalho. “Os países concordaram que se chegaria a US$ 100 bilhões por ano em 2020, mas falharam em concordar sobre o que deveria ser contado.”

Além das divergências sobre o acordo pré-2020, resta ainda mais em aberto o financiamento pós-2020. Pelos acordos firmados até aqui, países ricos deveriam destinar US$ 100 bilhões por ano para ações de adaptação – mas tudo está indefinido. Ninguém fala em achar mais dinheiro no pós-2020, mas mais doadores, como observa Jan Kowalzig, da ONG Oxfam. “Os países ricos se arrependem profundamente de terem concordado com a meta dos US$ 100 bilhões em 2009, porque agora estão sentindo toda a pressão.”

Desconfiança. Em um cenário de desconfiança mútua, negociadores de nações industrializadas na COP-21 das Nações Unidas temem os desvios e os casos de corrupção, enquanto os de países em desenvolvimento desconfiam das reais intenções dos governos “ricos” de cumprirem a cifra de financiamento acertada. 

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“Muitos países temem que países ricos deixem de investir em ‘ajuda ao desenvolvimento’, construindo uma escola, por exemplo, e passem a investir na construção de uma planta de energia solar para justificar os US$ 100 bilhões”, disse ao Estado um dos principais negociadores de Paris. “Ora, para um país em desenvolvimento, como a Índia, que tem 800 milhões de pessoas na pobreza, a prioridade continua sendo a escola, não transição energética.”

“A mensagem que nós recebemos dos países desenvolvidos em matéria de apoios financeiros para adaptação às mudanças climáticas é que não há nada”, reclamou Juan Hoffaister, delegado da Bolívia. 

Não à toa, o assunto foi o principal tema do maior choque das negociações em Paris. Na quarta-feira, o G77+China chegou a divulgar um comunicado no qual protestou ainda contra a suposta tentativa dos países ricos de cobrar de nações emergentes contribuições financeiras não previstas na convenção. 

Para a embaixadora Nozipho Mxakato-Diseko, presidente do G77+China, só há um ponto em que todas as partes parecem concordar. Em Paris, “as questões sobre financiamento são ‘ou vai, ou racha’.”

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