Estudo avalia riscos se temperatura no Brasil subir mais que 4°C

Parte do País ficará ainda mais favorável para o mosquito da dengue e pessoas podem morrer de calor

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Por Giovana Girardi
Atualização:
Aquecimento de 4°C ou mais poderia causar impacto à saúde da população no Brasil, incluindo o potencial de expansão do mosquito Aedes aegypti Foto: REUTERS

BRASÍLIA - Num pior cenário de aumento da temperatura no Brasil por causa das mudanças climáticas, pelo menos 9 milhões de pessoas podem ficar em risco de literalmente morrer de calor, algumas regiões do País podem ficar ainda mais favoráveis à disseminação do mosquito Aedes aegypti, a produção de soja e milho pode ficar bastante prejudicada, assim como a geração de energia elétrica, e o risco de extinção de espécies pode subir 25%.

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Os impactos dramáticos são estimados para um cenário em que o mundo continue emitindo gases de efeito estufa nos ritmos atuais. O mundo concordou em Paris em dezembro a tomar atitudes nesse sentido a fim de tentar limitar o aquecimento do planeta a no máximo 2°C até o final do século. Mas e se não conseguir cumprir essa meta? E se a temperatura ficar 4°C ou mais, em média, acima da temperatura que o planeta experimentava antes da Revolução Industrial? 

São as perguntas que um grupo de pesquisadores brasileiros tentou responder no estudo "Riscos de Mudanças Climáticas no Brasil e Limites à Adaptação", lançado nesta quarta-feira, 2. Eles avaliaram como os setores de agricultura, saúde, energia e biodiversidade reagiriam se a temperatura média no País subir 4°C ou mais nos próximos anos.

O risco de isso acontecer, apesar de baixo, não é desprezível, de acordo com o climatologista Carlos Nobre, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que liderou o trabalho, financiado pela Embaixada Britânica. E por isso deveria ser considerado pelos tomadores de decisão, defende. Segundo ele, considerando as emissões globais atuais, há um risco de pelo menos 30% de a temperatura média do País chegar a 4°C ou mais em 2100.

Mas mesmo se os países conseguirem reduzir suas emissões a um nível considerado compatível com os 2°C assumidos em Paris, ainda há um risco de 10% de a temperatura média do planeta ficar acima de 3°C. Mesmo as metas apresentadas pelos países para serem cumpridas a partir de 2020, e que compõem o Acordo de Paris, ficam aquém disso. "Com o que foi colocado na mesa, há probabilidade de 70% de ultrapassar os 2°C já na segunda metade do século", lembra Nobre.

Pelo estudo divulgado nesta quarta, num pior cenário de emissões, em que elas seguem crescendo em vez de cair, essa probabilidade de passar de 4°C no País chega a 85% em 2100. 

Mas mesmo nos melhores cenários, se o risco parece pequeno, Nobre sugere que se pense no que significa uma baixa porcentagem em relação a outros riscos das nossas vidas. "Se um piloto diz que há 10% de chance de um avião cair, quem arrisca voar? Eu não", afirma o pesquisador. Ele e os demais colegas defendem que mesmo riscos de baixa probabilidade, mas que trazem consigo altos impactos, sejam considerados pelos tomadores de decisões.

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"Para a saúde, esse princípio da precaução é muito bem estabelecido. Estamos fazendo isso com o zika, por exemplo. No momento em que se percebeu que poderia existir relação com más-formações no cérebro do feto, começou a se recomendar que mulheres não engravidassem. Do ponto de vista científico, ainda não existe prova causal de como ele atua, mas foi suficiente para mudar o comportamento. Mesmo se for confirmado, a estatística é baixa, e ainda assim", diz. "Queremos trazer esse conceito de algo que tem uma baixa probabilidade de risco, mas que, se acontecer, pode ter um alto impacto, também para o clima", complementa Nobre.

Aedes. A menção de Nobre sobre o zika não foi à toa. Um dos pontos avaliados pelos autores é o impacto que um aquecimento de 4°C ou mais poderia causar à saúde da população no Brasil, incluindo aí o potencial de expansão do mosquito Aedes aegypti, transmissor dos vírus da dengue, chikungunya e zika. Fazendo uma revisão de outros trabalhos já publicados, pesquisadores da Fiocruz avaliaram que num País em média 4°C mais quente, entre 2071 e 2090, municípios das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul apresentarão condições térmicas ainda mais favoráveis para a disseminação do mosquito.

A análise considera que hoje, com o País apresentando uma temperatura média em torno de 25,5°C, o mosquito se prolifera por quase todo o território, mas em algumas regiões, as condições não são ideais para ele, como a Sul. Com um aumento de 4°C, esses Estados entram na faixa considerada ótima para o Aedes. O trabalho aponta ainda que os Estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro devem ter aumento potencial de epidemia de dengue para o período de 2071-2090. 

Por outro lado, explica Beatriz Oliveira, da Fiocruz, que colaborou com o capítulo de saúde, outros locais, em especial na região Centro-Oeste, podem ficar quentes demais até mesmo para um mosquito que gosta de calor e chuva, extrapolando o que é ideal para o Aedes - em geral, algo entre 22°C e 32°C.

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"É possível fazer alguma quantificação do efeito do clima sobre os mosquitos. Conforme a temperatura aumenta, a área geográfica também aumenta. Daqui a pouco o Aedes vai chegar em Buenos Aires, por exemplo. O aquecimento global vai permitir uma tropicalização do planeta e o mosquito vai atrás. Mas para saber se vai ter epidemia precisa considerar outras dimensões além do clima, como saneamento, se tem pessoas infectadas, o regime de chuvas. Não é só a temperatura que controla", explica Nobre.

Calor extremo. O maior risco à saúde, no entanto, deve se dar pelo simples fato de que estará calor demais para viver. É o chamado "estresse térmico", que ocorre com temperaturas muito altas, aliadas a uma elevada umidade do ar. 

Municípios das regiões Norte e Centro-Oeste e dos Estados do Maranhão e Piauí, no Nordeste, poderão apresentar condições climáticas consideradas de alto risco para mortalidade, com temperatura média maior ou igual a 30°C. A população infantil exposta a uma temperatura acima desse nível será maior que 35% em alguns municípios dos Estados do Acre, Amazonas e Pará. Entre os grupos mais vulneráveis, a taxa de mortalidade em idosos pode ser até 7,5 vezes maior.   Segundo Beatriz, considerando o pior cenário de emissões, que podem levar a um aquecimento médio demais de 4°C, pelo menos 267 municípios do Nordeste e do Centro-Oeste podem entrar no "estresse térmico", em que a temperatura passa dos 35°C e a umidade é muito alta, beirando os 100%, segundo Nobre. Nesse cenário, 9 milhões de pessoas estariam em risco. "Essa condição é o limite fisiológico, o corpo humano não tem como perder calor por transpiração e a pessoa pode acabar morrendo se ficar muito tempo exposta", explica Beatriz.

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O relatório aponta ainda para uma perda de produtividade laboral, com redução de até 268 horas anuais de trabalho em áreas como agricultura, indústria e construção civil.

Sem adaptação. Os pesquisadores lembram que, nessas condições, o problema começa a fugir de controle, porque não existe adaptação cabível. "É o limite do corpo humano. Um adulto muito saudável não sobrevive mais do que poucas horas nesse ambiente. Nós evoluímos dessa maneira, não tem o que fazer", diz Nobre. 

"Como nenhum lugar do planeta atinge esse limite hoje, parece que não é um problema. Mas com a mudança climática, se não conseguirmos restringir o aumento da temperatura, muitos locais do mundo já podem estar atingindo esse limite no final do século, por algumas horas do dia, nos meses mais quentes. Nesse limite, as pessoas não podem ficar expostas ao ambiente, tem de ficar com ar condicionado, porque o corpo tem um ataque térmico, não consegue mais perder calor para o ambiente e os órgãos entram em choque", complementa o pesquisador.

Sendo assim, dizem os autores, a solução é uma só: reduzir as emissões para evitar que se chegue a esse nível. "Claro que tem que adaptar, mas o que vemos nesse estudo é que para o bem-estar da humanidade há limites para a adaptação. A probabilidade pode ser pequena de subir mais de 4°C, mas se ocorrer, atingiremos esses limites", diz.

Os autores lembram que para a perda de espécies também não há adaptação possível. De acordo com Fabio Scarano, da UFRJ, responsável por essa parte do estudo, para todo o mundo considera-se que com 2°C de aumento há um crescimento de 5% na extinção de espécies. Com 4°C, sobe pra 15,7%. E para a América do Sul, por causa de outras vulnerabilidades, como desmatamento e caça, esse risco sobe para 25%.

A repórter viajou a Brasília a convite da Embaixada Britânica.  

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