É hora de trocar a política de culpa pela de oportunidade

Um acordo global contra as mudanças do clima é tanto necessário quanto possível, mas países devem abandonar posição de acusadores

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Por Christiana Figueres e Secretária Executiva da Convenção do Clima da ONU
Atualização:

ArtigoOs resultados da conferência da ONU sobre a mudança do clima que se encerrou em Doha, Catar, no dia 8, mostraram mais uma vez que as negociações internacionais estão no caminho certo, mas avançam a um ritmo assustadoramente lento.As negociações visam fundamentalmente às transformações mais desafiadoras que o mundo já viu no campo energético. No passado, as transições das várias formas de produção de energia se davam muito lentamente. Primeira fonte energética da espécie humana, a madeira só foi substituída pelo carvão no século 18. Com o ritmo cada vez mais acelerado dos avanços tecnológicos, foi preciso mais um século para que o petróleo substituísse o carvão como fonte básica de energia global. A mudança do clima não é a única coisa que deve nos motivar a buscar fontes mais renováveis e maior eficiência da energia, mas ela imprimiu urgência inequívoca na evolução que de outro modo teria ocorrido de forma normal. Apesar da dificuldade de uma reviravolta do capital no atual sistema de produção de energia, o tempo não está do nosso lado. A ciência diz que as emissões globais dos gases-estufa precisam chegar ao máximo nesta década e, a partir dali, decrescer rapidamente. O mais importante: é preciso que atinjam o pico o mais rápido possível, a fim de reduzir custos em termos humanos. Os terríveis desastres naturais que vêm ocorrendo em todas as regiões do mundo constituem uma considerável evidência do aumento dos custos para os seres humanos, em particular para os mais vulneráveis. A ONU é a única instituição que garante a todos os países, grandes ou pequenos, o acesso ao processo de tomada de decisões para todo o globo. A redução das emissões de carbono exige a participação de todos, pois cada país está sendo afetado pela mudança climática e pela necessidade de acelerada transformação global. Além disso, a escala e o ritmo do desenvolvimento econômico baseado na tecnologia e na livre movimentação de capitais torna essencial a participação global. As economias que apresentam baixas emissões, até mesmo per capita, poderão se tornar economias com um elevado nível de emissões mais rapidamente do que nunca se não puderem contar com um suporte adequado e se não forem encorajadas a preparar para si mesmas um futuro baseado em energia limpa. Depois do importante progresso observado nos dois últimos anos em Cancún e em Durban, em Doha 37 países (todos os membros da União Europeia, Austrália, Bielo-Rússia, Croácia, Islândia, Cazaquistão, Noruega, Suíça e Ucrânia) implementaram metas obrigatórias para a redução das emissões, que lhes permitirão, nos próximos oito anos, chegar em seu conjunto a um nível 18% inferior ao de sua situação em 1990. As metas são sustentadas por normas de cálculo mais rigorosas, com a possibilidade de aplicar um rigor ainda maior até 2014. Além disso, em Doha, todos os países confirmaram sua determinação ao chegar a um acordo aplicável a todos até dezembro de 2015, baseado nos mais recentes avanços científicos. Os governos estão claramente conduzindo o mundo para uma importante transformação, mas ainda não provaram seu empenho mediante uma firme e imediata implementação de tudo o que já foi prometido. Eles podem e devem acelerar toda ação em vista da mudança climática, não por motivos altruístas, mas porque é do interesse de suas nações fazê-lo. A ONU é a instituição em que são tomadas as decisões globais, mas não as nacionais. São os interesses nacionais na sustentabilidade dos recursos, na estabilidade e na competitividade que impulsionam as ações no que concerne à mudança climática. O processo da ONU é o centro do envolvimento internacional, mas ele não cerceia as ações neste campo. Em 2013, em resposta ao lento porém persistente avanço nas negociações internacionais, e aproveitando o sucesso das novas economias com baixas emissões de carbono, 33 países e 18 jurisdições subnacionais estabelecerão os preços das emissões, cobrindo 30% da economia global e 20% das emissões. Até 2011, 118 países dotaram-se de uma legislação sobre a mudança climática ou estabeleceram metas referentes à energia renovável, mais do dobro do que em 2005. Além disso, aumentaram as iniciativas voluntárias locais com a finalidade de reduzir o desmatamento e as emissões não cobertas pelos limites estabelecidos pela ONU. Em 2010, as energias renováveis representaram 20,3% da eletricidade mundial, em comparação com 3,4% em 2006. Os investimentos em energia limpa ultrapassaram US$ 1 trilhão e deverão aumentar para quase US$ 400 bilhões ao ano. As indicações de iniciativas para a redução das emissões estão em toda parte, mas ainda são insuficientes. A redução das emissões se tornará urgentemente a norma e não a novidade. Os governos traçaram o rumo, mas estão se movendo lentamente. Nenhum deles atingiu seu potencial máximo. E nem os outros setores. O setor privado pode e deve agir com mais determinação. O setor financeiro pode e deve investir de maneira mais agressiva. A tecnologia pode e deve avançar mais rapidamente. Ninguém está isento da responsabilidade ou da oportunidade de contribuir para as soluções. Precisamos do máximo esforço de cada um. Precisamos ir além da mentalidade da soma zero da ação cooperativa em busca de um objetivo que deve ser compartilhado urgentemente. Precisamos consolidar mutuamente os esforços visando a acelerar o impulso rumo a economias com baixas emissões de carbono. Juntos, poderemos deixar de nos culparmos mutuamente e adotar a política da oportunidade. O acordo de 2015 deve garantir uma participação equitativa de todas as nações e responder às exigências da ciência. Acima de tudo, deve ser um testemunho da vontade de agir da nossa geração. Por fim, a história julgará se reduzimos os gases do efeito estufa o bastante para evitar a pior mudança climática. Ocorre que podemos fazer isso neste exato momento de maneiras que promovam a sustentabilidade econômica de todos os países e, ao mesmo tempo, salvaguardem os mais vulneráveis aos efeitos adversos da mudança climática. É por isso que o acordo universal é necessário e possível. TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

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