'Discussão social não pode ser separada da ambiental', diz ministra

Para a titular da pasta do Desenvolvimento Social, Bolsa Verde mostra que é possível unir agendas

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Por Redação
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BRASÍLIA - É no casamento das agendas de combate à pobreza extrema e de proteção do meio ambiente que o governo Dilma Rousseff aposta ganhar uma certa liderança para o Brasil nos próximos debates do desenvolvimento sustentável. "A discussão social separada da ambiental não é sustentável", repete a ministra Tereza Campello (Desenvolvimento Social), encarregada de desenvolver a proposta brasileira de piso de proteção socioambiental. O ponto de partida da proposta é o programa Bolsa Verde, um benefício de R$ 300 pago por trimestre a famílias moradoras de Unidades de Conservação na Amazônia. Por ora, o benefício complementa os pagamentos do Bolsa-Família para cerca de 19 mil famílias. Nesta entrevista a Marta Salomon, a ministra diz que não há uma fórmula pronta e acabada a ser replicada pelos demais países. O Brasil vai formalizar a proposta do piso de proteção socioambiental na conferência?Essa ideia já vem sendo discutida nos fóruns preparatórios. Quando a gente começou a trabalhar com o Bolsa Verde, vimos nele uma ação inovadora, que junta a superação da extrema pobreza com um componente ambiental. Ainda está numa escala pequena, mas significativa: a gente começou a pagar em dezembro a famílias em reservas extrativistas e florestas nacionais. Por enquanto, o pagamento beneficia somente quem já tem ativo ambiental. Queremos monitorar os ativos ambientais e não apenas erradicar a pobreza. Mas o Bolsa Verde trata de uma realidade muito peculiar, brasileira. Como seria adotado em outros países sem ativos ambientais em florestas?Por isso surgiu o piso de proteção socioambiental. A inovação do Bolsa Verde foi muito bem recebida no mundo todo, e a nossa avaliação é que, de fato, não é restrita à floresta nem restrita a quem tem ativo ambiental. Procuramos uma forma de casar a agenda da extrema pobreza com a agenda ambiental não só em áreas já desmatadas, com biomas já degradados ou áreas que nos interessa recuperar. Então nós nos apoiamos no piso de proteção social, uma agenda já incorporada pelas Nações Unidas e tratada pela ex-presidente do Chile e subsecretária-geral da ONU, Michelle Bachelet, para organizar nossas ideias. Pegamos a experiência do Bolsa-Família. Você tem milhões e milhões de pessoas em extrema pobreza no mundo. Levantamos experiências no mundo para ver se elas compõem um conceito: superar a extrema pobreza com estímulos à recuperação ambiental e à proteção do meio ambiente. A geração de empregos ditos "verdes" poderia ser objeto de incentivo?Na nossa avaliação, a discussão social separada do ambiental não é sustentável. Discutir isoladamente o ambiente não se sustenta no mundo com milhões de pessoas na extrema pobreza. Esses mais pobres são lançados para áreas mais degradadas e são levados a degradar ainda mais. Nós não queremos impor uma fórmula. Há muitas ideias de emprego verde. A África do Sul tem programa de garantia de renda com dias de trabalho como investimento em recuperação de solo e plantio de árvores. África do Sul, Etiópia e Índia estão fazendo isso. A gente não tem a pretensão de sair lançando que o Brasil tem uma solução para o mundo. Os países devem encontrar suas próprias equações e fórmulas. O aumento do consumo decorrente da superação da pobreza também faz parte do debate? O mundo está preparado para isso, mais gente consumindo?Esse é o grande desafio. Contrariando o que as pessoas estão dizendo, que a Rio+20 está fugindo a uma agenda ambiental, eu diria que, talvez, o grande gargalo seja a produção e o consumo sustentáveis. A gente tem conseguido coisas muito impactantes e pouco conhecidas. O programa de alimentação escolar, por exemplo. Não há o que reprimir no consumo de alimentos. A lei determina que 30% da merenda escolar sejam comprados da agricultura familiar. Muitos municípios já superaram e têm meta de 100%. Isso significa o Estado induzir o processo de compras públicas. Envolve R$ 1 bilhão por ano. Veja que é um casamento: o produtor garantiu renda, e a merenda escolar, um alimento saudável. Essa é uma agenda para o pós- 2015, como será a dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável? Não, acho que é uma agenda para já. Isso pode ajudar a acelerar o caminho dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Necessariamente, os ODS terão de ter componente de superação da pobreza e redução das emissões. Acelerar as duas curvas acopladas é o melhor dos mundos. O Brasil quer exercer de alguma forma a liderança nesse processo? Nós temos experiências fantásticas no casamento dessas duas agendas e potencial de exercer uma liderança. Veja o caso do Luz para Todos. É uma agenda de inclusão claríssima, de geração de emprego e renda nas áreas rurais. Uma gotinha de andiroba custa uma fortuna, e a quebradeira de coco trocava isso por uma lata de arroz. E o mais trágico: as quebradeiras de coco ganhavam tão pouco pela castanha que vendiam o coco inteiro para queimar e virar energia. Se você não cuidar, vai ser queimado em forninho para virar carvão, em vez de virar renda, alimento e produtos da biodiversidade valorizados.

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