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Cana e javali dão esperança à onça-pintada

Animal invasor que ocupa plantações no interior pode atrair predador e permitir sua conservação

Por Fabio de Castro
Atualização:

SÃO PAULO - Espécie invasora que se espalhou pelo Brasil, o javali se adaptou às plantações de cana-de-açúcar e de eucalipto do interior paulista e tem causado grandes prejuízos aos setores que produzem etanol, papel e celulose. Mas esse desequilíbrio ecológico, que põe em risco as principais atividades agrícolas da região pode ser, paradoxalmente, oportunidade para a recuperação da onça-pintada – maior predador das Américas, hoje ameaçado de extinção. 

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A previsão foi resultado de pesquisa coordenada por Luciano Verdade, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba. Segundo o trabalho, submetido para publicação na revista Animal Conservation, a transformação de pastagens em canaviais e florestas de eucaliptos favoreceu a explosão do número de javalis nessas áreas.

O estudo prevê que a abundância da espécie invasora atrairá de volta ao interior a onça-pintada, que em São Paulo está confinada à faixa litorânea de Mata Atlântica e ao Parque Estadual do Morro do Diabo, no extremo oeste do Estado. Isso significa que a onça-pintada poderá ser salva pelo mesmo fator responsável por seu declínio: as atividades agropecuárias. 

“A distribuição do javali é maior a cada dia nas paisagens agrícolas que predominam no interior, canaviais e florestas de eucaliptos, enquanto as onças estão nas bordas, a leste e a oeste. Essa combinação espacial indica grande potencial de colonização dessas paisagens pelas onças-pintadas”, disse Verdade. Segundo ele, em breve, as onças vão detectar os javalis e começarão a aparecer nas plantações.

Caso a previsão se concretize, o setor produtivo e os gestores públicos terão de aprender a lidar com o manejo da onça. “É muito bom que aconteça o retorno da onça-pintada, em vez de sua extinção. Mas há um custo e um risco eventual que precisam ser previstos.”

O pesquisador prevê que serão necessárias pessoas capacitadas para gerenciar a onça-pintada na paisagem agrícola. Mais que isso, será preciso gerar conhecimento e inovação tecnológica. “Precisamos ser proativos, em vez de reativos. O primeiro passo é alertar que essa é a possibilidade real, para que a sociedade discuta a questão.”

Embora a presença da onça-pintada possa parecer assustadora para quem está próximo das áreas agrícolas, cientistas afirmam que seu manejo adequado trará benefícios ecológicos, cujos frutos podem ser vantajosos para o setor. O mais evidente deles será limitar o alastramento dos javalis. 

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Invasor. Agressivo, de fácil adaptação e quase sem predadores, o javali está na lista das cem piores espécies exóticas invasoras do mundo, elaborada pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Considerado praga, invadiu o Brasil a partir do Uruguai, no fim dos anos 1980.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), já foram registrados javalis no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Acre e Rondônia. O problema é tão grave que, em 2013, o Ibama autorizou a caça do animal para manejo controlado. 

O javali, com cerca de 1,30 metro de comprimento e 80 kg, pode chegar a 250 kg quando miscigenado a porcos domésticos. Segundo Verdade, pode causar danos até mesmo no ambiente natural, pois costuma pisotear plântulas de árvores nativas, comer ovos de muitas aves, acelerar o processo de erosão e transmitir doenças. 

“Ele come tudo e causa prejuízos nas plantações. É provável que só a onça-pintada seja capaz de abater um javali adulto”, disse. “Mesmo havendo caça legal e ilegal, não é suficiente para controlar essa espécie.”

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