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Caminhão-cegonha com 8 viaturas do Ibama é incendiado em ataque no PA

Veículo transportava caminhonetes novas, já adesivadas, que substituíram carros mais velhos do órgão ambiental para fiscalização

Por Giovana Girardi
Atualização:

SÃO PAULO - Em um ato que está sendo interpretado pelo governo federal como um atentado contra o Estado, um caminhão-cegonha com oito viaturas que seriam entregues ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) foi incendiado na madrugada desta sexta-feira no Pará.

Caminhão-cegonha que levava veículos do Ibama foi incendiado Foto: Olharcidade

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O ataque ocorreu na BR-163, rodovia que liga Cuiabá a Santarém, na altura de Cachoeira da Serra, município de Altamira, sudoeste do Estado. A região está no centro da polêmica em torno da Medida Provisória (MP) 756, que reduzia em 480 mil hectares a Floresta Nacional de Jamanxim e foi vetada pelo presidente Michel Temer no dia 19. 

Desde o início da semana, manifestantes pró-MP vêm bloqueando a rodovia em diversos pontos. As interdições estavam impedindo o tráfego local, o transporte de grãos e também as operações do Ibama.

Ao Estado, Luciano Evaristo, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, disse que os carros pertenciam a uma locadora – com a qual o órgão tem um contrato de leasing, que prevê substituição a cada dois anos – e seriam entregues à gerência executiva em Santarém. “Essa ação não tira o nosso poderio. Os carros antigos vão continuar sendo usados”, afirmou. 

Ele acredita que quem cometeu a ação tenha interpretado que os novos carros estavam sendo enviados para intensificar ações na região. “Era só para trocar os antigos. Mas agora sim eu vou intensificar as operações lá. Foi um atentado contra a ação legítima do Estado e não vamos aceitar isso. Vamos dobrar o efetivo na região. Eles deram um tiro n’água”, disse. 

A BR-163, onde estava o caminhão, estava bloqueada por manifestantes que querem a redução da Floresta Nacional de Jamanxim (foto) Foto: Nacho Doce/Reuters

Como retaliação, a presidente do instituto, Suely Araújo, também determinou o bloqueio provisório das serrarias de Novo Progresso e entorno, na maior cidade da região. “A finalidade é restabelecer a possibilidade de a fiscalização atuar de forma regular na região. Hoje estamos trabalhando na base de ameaça. A ação é para retomar a ordem e mostrar que o Brasil não é terra sem lei.”

Evaristo disse que a inteligência do Ibama já conseguiu identificar alguns suspeitos e os nomes estão sendo enviados para a Polícia Federal e para a Polícia Rodoviária Federal. "As polícias estão sendo acionadas para montar uma base em Novo Progresso e vamos bloquear as serrarias da região. Ninguém ali vai vender nem madeira nem serra", complementou. Também foram encaminhados áudios e mensagens com incitação à destruição de veículos e helicópteros.  

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'Efeito Noruega'. O Estado recebeu o que pode ser um desses áudios por WhatsApp. Ele está circulando entre grupos que atuam na região. Na gravação, um homem avisa sobre o trajeto das cegonhas. Ele diz estar em Sorriso, cidade do MT à beira da BR-163 e diz que eles estão indo para Santarém. Ao fim, dizem que é o “efeito Noruega”, em referência à redução do financiamento do país ao Fundo Amazônia. Ouça a seguir.

Segundo Evaristo, duas cegonhas trafegavam na região com 16 carros do Ibama. Os bandidos chegaram a tentar atacar a outra, mas o motorista conseguiu escapar e foi para a base militar na Serra do Cachimbo.

Na quinta-feira, antes do ataque, mensagens no Facebook mostravam imagens dos caminhões-cegonha. Um comerciante de Novo Progresso compartilhou, sugerindo que fossem queimadas. “Isso é deboche! Desaforo! O povo não pode aceitar... Tem que dar o troco na mesma moeda que eles dão...”, disse, finalizando com um símbolo de fogo. Ele se refere à medida do Ibama de queimar equipamentos quando são achados acampamentos de madeireiros ilegais em terras indígenas ou unidades de conservação.

Nesta sexta havia comemoração na rede. “Era uma vez, cegonhas cheias de Hilux zero... Ibama gosta de pôr fogo nas coisas alheias, agora receberam o troco na mesma moeda”, publicou outro morador da cidade.

Sobre o bloqueio às serrarias, Evaristo disse acreditar que quase todas na área atuam na ilegalidade. “Os caminhões foram queimados em Cachoeira da Serra, onde a atividade prioritária é roubar madeira da terra indígena Mekragnoti, dos caiapós. Já flagramos roubo de madeira ali várias vezes e destruímos os equipamentos em ato que é legal”, afirmou.

“Quase 100% das serrarias trabalham com madeira ilegal, pelo simples fato de que não há plano de manejo autorizado na região, porque não há propriedade privada estabelecida. A regularização fundiária é quase zero.”

Bloqueios contra vetos

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Nos últimos dias, a rodovia tem sofrido bloqueios diários por parte de produtores rurais que pedem o envio ao Congresso de projeto de lei que reduza a área da Floresta Nacional de Jamanxim, localizada à margem esquerda da rodovia. A unidade de conservação era objeto da Medida Provisória 756, que foi vetada pelo presidente Michel Temer em 19 de junho. Para este sábado, está previsto um novo bloqueio na região de Moraes de Almeida.

Um dia antes do veto, em um vídeo em que aparecia ao lado do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, anunciava que a polêmica medida, que reduziria a floresta em 480 mil hectares, seria vetada, mas que um projeto de lei seria enviado ao Congresso nos mesmos termos

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Dias depois, porém, ele disse que foi mal interpretado, que o PL só seria enviado após parecer técnico do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável por gerir as unidades de conservação federais. O recuo ocorreu na sequência do anúncio por parte da Noruega de que o país vai reduzir seu financiamento ao Fundo Amazônia por conta do aumento de 60% no desmatamento da Amazônia nos últimos dois anos.

Para o deputado José Benito Priante (PMDB-PA), que foi relator da MP 756 no Congresso, isso causou incerteza e insatisfação na região. “Havia uma expectativa muito forte de que viria o PL com os limites para que pudéssemos votar. Mas o que chegou foi muito helicóptero e carro do Ibama na região”, afirmou ao Estado.

“Não posso aplaudir esse tipo de conduta (a queima dos carros). Tenho certeza de que não é do movimento que quer uma solução em Jamanxim. Eles estão profundamente aflitos com esse episódio, não querem ser vistos como autores. Sou contra os incendiários, mas não dá para o Ibama chegar lá e queimar máquinas. Acho uma estupidez tamanha. Isso pode causar revolta e eu temo por um conflito mais grave na região”, afirmou Priante.

ONGs pedem ação

O ataque ao Ibama pode ser o início de uma piora das relações na Amazônia e um sinal de que a situação está saindo do controle. Esta é a opinião de organizações não governamentais que atuam na Amazônia e creditam à política ambiental de Brasília a escalada da violência.

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“A edição das medidas provisórias que reduzem áreas protegidas e regularizam a grilagem está na raiz desse problema. É uma irresponsabilidade do governo editar uma MP para diminuir floresta em uma região que é extremamente violenta. Ali sempre teve atividade ilegal, mas esses sinais de Brasília acabam potencializando. Parece que os crimes estão fora de controle, os criminosos perderam o medo do Estado”, disse Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace. 

“É um sintoma dramático da forma como o governo e o Congresso estão lidando com a legislação ambiental. O ambiente do Brasil está sendo rifado e acho que vamos ver acirramento dos ânimos e aumento da violência dos dois lados”, comentou André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

O WWF também se manifestou: “A escolha por atos de violência acirra ainda mais o clima tenso na região. O Estado brasileiro tem de reagir para conter os ânimos e evitar que novos crimes ocorram”, disse Maurício Voivodic, diretor executivo da organização.

O Ministério do Meio Ambiente afirmou que somente o Ibama iria se manifestar sobre o caso do incêndio e não comentou as críticas.

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