BR-319: Críticas e elogios, a polêmica continua

BBC Brasil percorre a BR-319 na Amazônia.

PUBLICIDADE

Por BBC Brasil
Atualização:

Embarcamos em Manaus de volta a Londres nesta quarta-feira. Nos últimos 12 dias, a BBC Brasil dedicou este espaço exclusivo à polêmica sobre a reabertura da BR-319, entre Porto Velho e Manaus. No decorrer da expedição pela BR-319, houve pouco espaço para críticas aos planos de asfaltamento da estrada. Nada mais natural, pudemos constatar, diante do abandono em que muitas comunidades vivem. Faltam escolas, falta transporte, falta saúde... Só não faltam comida e esperança. No primeiro caso, a Floresta Amazônica é sinônimo de fartura; no segundo, voltamos à reabertura da BR-319. Em locais como a aldeia indígena Tucumã, a cerca de um quilômetro da estrada, o reasfaltamento é visto com certa desconfiança - ou suspeita de que o asfalto vá atrair mais grileiros e fazendeiros -, mas ninguém se diz contra. "Vai ser positivo? Olha...", me disse, pensativo, o cacique Luiz Apurinã. Centenas de quilômetros adiante na estrada, essa desconfiança vira medo. Marli Schroeder, uma imigrante catarinense loura de olhos azuis que vive isolada em uma fazenda de gado já se sente insegura. "Ouvi dizerem que aqui tinha muita grilagem e até matança por causa de terra. Disso tenho medo." Nem por isso ela é contra a estrada. Muito pelo contrário, ela defende a reabertura vigorosamente, lembrando que hoje em dia, as mulheres de sua fazenda vão à cidade mais próxima, Humaitá, apenas uma vez por ano. Foi preciso chegarmos a Manaus para encontrar vozes que se opõem frontalmente ao asfaltamento - cientistas como Philip Fearnside e Mario Cohn-Haft, que dedicam a vida a estudar a Amazônia. Foi também na capital amazonense que encontramos o principal advogado da causa: o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que desde 2005 vem trabalhando pela reabertura da BR-319 dentro do governo. "O grande perigo que nós podemos correr, eu insisto em dizer, é deixar a estrada do jeito que está. O Estado não está presente lá, e as pessoas vão ocupar essa região se nós não cuidarmos de colocar o Estado a cuidar, a preservar essa região tão importante", disse o ministro à BBC Brasil. Pelo menos sobre a importância da área, Nascimento e a comunidade científica parecem estar de acordo. Já sobre a forma de preservá-la, as opiniões são diametralmente opostas. O especialista em avifauna do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Mario Cohn-Haft, diz que o que o ministro chama de risco é a solução mais barata para evitar a devastação. "Aquela região só está preservada, porque a estrada está abandonada há mais de vinte anos", disse o cientista, que descobriu duas espécies de pássaros até então desconhecidas para a ciência em áreas próximas à BR-319. Philip Fearnside, também do Inpa, criou modelos de desmatamento baseados na dinâmica de desmate registrada em outras estradas e chegou à conclusão de que as perdas só na área mais próxima à rodovia poderiam chegar a até 33% da mata. No entanto, ele destaca que a preocupação maior é que o asfalto na BR-319 pode levar a devastação até Roraima, por causa da migração de pessoas de Rondônia e do arco do desmatamento para a região central da Amazônia, Manaus e mais ao norte. Além disso, ele teme que o impacto das estradas transversais à BR leve a derrubada a regiões até hoje completamente inacessíveis no oeste da Amazônia. "Isso poderia abrir uma enorme área de terras do governo, uma área do tamanho de Rondônia, que ficaria suscetível à invasão de pequenos produtores sem-terra e do Movimento dos Sem-Terra, além de grileiros", afirmou Fearnside. Os argumentos são fortes de todos os lados. Para mim, quem melhor resumiu a situação foi outro cientista, o primatólogo Fábio Rohe, da World Conservation Society, que trabalha em um projeto de levantamento de espécies na BR-319 em parceira com a Universidade Federal da Amazônia (Ufam). "Sem dúvida é uma região em que as pessoas precisam de muitas coisas para ter melhores condições de vida. A ideia é a gente tentar chegar neste meio termo para que não se acabe com toda a natureza, mas que as pessoas possam ter uma vida melhor." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.