Biólogos querem ‘bichoduto’ para proteger mico-leão

Duplicação de rodovia corta trechos de Mata Atlântica no norte Fluminense onde vive animal-símbolo das espécies ameaçadas

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Por Danielle Villela
Atualização:

SILVA JARDIM (RJ) - Com tratores a pleno vapor, a duplicação da BR-101 no Rio ameaça a espécie-símbolo da defesa dos animais silvestres no Brasil, o mico-leão-dourado. A rodovia está sendo ampliada desde 2011 em trecho de 176,6 quilômetros entre os municípios de Rio Bonito e Campos dos Goytacazes, no norte Fluminense. No trajeto há pontos de Mata Atlântica onde vivem cerca de 3,2 mil micos-leões-dourados.

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Biólogos alertam que a duplicação pode isolar os grupos de animais e dificultar o cruzamento entre as famílias, o que compromete a conservação da espécie a longo prazo. A população de micos aumentou quase 20 vezes desde 1992, segundo a Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD), mas a espécie ainda é classificada como ameaçada de extinção. Os animais vivem entre oito municípios da Baixada Litorânea do Estado, em área total de 12,5 mil hectares.

Cerca de 450 micos habitam a Reserva Biológica de Poço das Antas, em Silva Jardim, no km 215 da BR-101. Os demais estão distribuídos em propriedades particulares. O mico-leão-dourado pesa em média 600 gramas e mede até 60 centímetros. São animais monogâmicos. Vivem em famílias com três a dez indivíduos, em área média de 40 hectares. “É o mínimo para terem alimento suficiente”, disse a bióloga Andreia Martins.

Para Luís Paulo Ferraz, secretário executivo da AMLD, a principal ameaça não diz respeito à quantidade de animais, mas à fragmentação do hábitat. “São pequenas ilhas de vegetação, o que já dificulta a circulação dos micos. A duplicação da BR-101 é uma barreira intransponível para eles e os isolará ainda mais.” A entidade propõe a instalação de passagens sobre a rodovia para os micos: dois viadutos, duas passarelas e três passagens suspensas sob os vãos de pontes.

Os viadutos seriam as estruturas mais complexas, cobertos com solo, arbustos e pequenas árvores, para assegurar a conexão entre a mata dos dois lados da rodovia, segundo proposta feita com o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologias de Estradas (CBEE). As passarelas seriam semelhantes às de pedestres, mas com cipós e cordas. “Não somos loucos de ser contra a duplicação. Mas não se pode pôr em risco a conservação da espécie por causa de economia besta”, disse Ferraz.

Estruturas semelhantes foram adotadas na Holanda, Canadá, Estados Unidos, Alemanha e Austrália. “Todos os aspectos técnicos corroboram o uso da passagem de fauna na BR-101”, disse Alex Bager, coordenador do CBEE. O pesquisador calcula que a instalação de um viaduto vegetado custe de R$ 5 milhões a R$ 40 milhões.

Passagens. Solução mais modesta foi adotada na RJ-163, estrada estadual que liga a Via Dutra a Visconde de Mauá, na divisa do Rio com Minas. Quatro passagens aéreas de estrutura metálica – sem vegetação – foram instaladas pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Rio (DER-RJ), ao custo de R$ 1,7 milhão. Os “bichodutos”, ficaram prontos em quatro meses. 

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Cerca de R$ 900 milhões estão sendo investidos na BR-101 pela Autopista Fluminense. Em nota, a concessionária informou que trabalha na formação de corredores de fauna e corredores ecológicos interligando fragmentos florestais isolados e que os “processos de licenciamento foram analisados pelos órgãos responsáveis”.

Segundo a Autopista Fluminense, as passagens propostas pela AMLD estão sob análise da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O Ibama informou que a licença ambiental para a duplicação previa passagens de fauna como obrigação do empreendedor.

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