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'A sociedade deve exigir urgência', diz Marina sobre clima

Ao 'Washington Post, senadora diz que líderes mundiais devem ser ambiciosos no combate ao aquecimento

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Por Redação
Atualização:

Quando representantes internacionais se reunirem em Copenhague no mês que vem para as negociações climáticas, a senadora brasileira Marina Silva servirá como ativista e filósofa extraoficial da conferência. Marina recebeu o Prêmio Ambiental Goldman em 1996 e foi ministra do Meio Ambiente entre 2002 e 2008. Ela falou ao Washington Post durante visita recente à capital americana. Abaixo, trechos da entrevista:

 

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O que a inspirou a trabalhar com o meio ambiente?

 

Foi uma combinação de fatores. Primeiro, a sensibilidade que adquiri depois de ter morado na floresta, por ter nascido lá e obtido dela o meu sustento até os 16 anos de idade. Segundo, o meu contato com a Teologia da Libertação, com pessoas como Chico Mendes, uma conexão que aumentou a conscientização política e social em relação ao que estava acontecendo com os seringueiros e índios, expulsos de suas terras pela venda das antigas propriedades de extração da borracha para os pecuaristas. Esses encontros fizeram de mim uma pessoa envolvida com a luta em defesa da floresta. Posteriormente, descobri que a questão era o "meio ambiente" e a proteção dos ecossistemas. Foi um compromisso ético contra a destruição desses recursos naturais.

 

Como a sua criação na Amazônia afeta a sua forma de encarar as questões atualmente em jogo?

 

Sem dúvida, a experiência de ter vivido em uma das regiões de maior diversidade biológica e cultural do mundo afetou minha maneira de ver as coisas. Enxergo duas temporalidades: o tempo da floresta e o tempo urbano. O tempo da floresta é mais lento; as coisas precisam ser processadas de maneira mais completa; a informação demora para chegar lá, e assim as pessoas não têm acesso a novas informações. Quando chegava uma nova ideia, pensávamos a seu respeito, remoendo-a, conversando sobre ela por um bom tempo. Essa forma de pensar, refletindo sobre as ideias e desenvolvendo-as, me ajuda a captar o sentido de preservação das coisas, evitando as decisões apressadas.

 

Na sua opinião, como tem sido a resposta da comunidade internacional à mudança climática?

 

Em termos de emissões permissíveis, já estamos muito próximos do que seria o ponto máximo. Trata-se de um esforço que precisa ser feito tanto pelos países desenvolvidos quanto por aqueles em desenvolvimento. Os acordos já firmados nas reuniões que antecedem o encontro de Copenhague não me parecem muito promissores. A sociedade precisa transmitir esse tipo de urgência aos seus líderes e esses líderes precisam assumir a responsabilidade de abordar o tema não apenas nos termos dos seus interesses presentes, mas levando em consideração também os interesses futuros. Aquilo que eles gostariam de fazer ou aquilo que consideram confortável fazer no horizonte de curto prazo dos seus mandatos é insuficiente.

 

Até que ponto você acha que a redução do desmatamento em lugares como a Amazônia pode conter o aquecimento global, considerando que o desmatamento corresponde a 15% das emissões anuais de gases-estufa?

 

Para que esse processo dure, para que seja sustentável ao longo do tempo, precisamos mudar o processo de desenvolvimento. Não basta enunciar aquilo que as pessoas não podem fazer. Temos de dizer a elas o que podem fazer, como fazê-lo, e oferecer-lhes os meios para tanto. No caso da Amazônia, há 25 milhões de pessoas na região e elas precisam de alternativas. Se não houver alternativas, haverá novamente uma enorme pressão sobre a floresta. Precisamos de uma mudança nos fundamentos econômicos da Amazônia, criando expectativas sustentáveis para atender às necessidades das pessoas.

 

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Como você avalia o trabalho atual dos Estados Unidos em relação à mudança climática?

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Estamos animados com o que está ocorrendo nos Estados Unidos, com o fato de uma lei ter sido aprovada na Câmara dos Deputados. É de grande importância que leis para combater a mudança climática estejam na pauta dos EUA. O retorno do país às negociações climáticas, após quase dez anos de ausência, representa uma grande mudança. Reconheço que o fato de a legislação não ter sido aprovada pelo Senado cria um problema. Ao mesmo tempo, a comunidade internacional exigirá dos países industrializados que assumam compromissos de longo prazo, como a meta de reduzir em 80% as emissões de gases-estufa até meados do século. É importante que haja acordo em relação a uma meta para o longo prazo. O presidente Obama e o Congresso estão dando início a um debate que deveria ter começado dez anos atrás. Mas é promissor o fato de ele ter finalmente começado.

 

Como está o seu otimismo em relação à perspectiva de os países do mundo assumirem compromissos vinculantes para conter as emissões de gases-estufa?

 

Já temos ao alcance a maior parte das respostas técnicas necessárias para lidar com esses problemas. O que precisamos fazer é colocar essas respostas técnicas e métodos a serviço da ética, levando em consideração o destino das gerações futuras.

 

Você ainda mora na Amazônia, ao menos parcialmente?

 

No meu íntimo, estou sempre na Amazônia. Meu emprego exige que eu passe algum tempo em Brasília. Sou muito chamada para viajar a outros Estados e outros países, mas meu ponto de referência é a Amazônia. É o locus a partir do qual dialogo com outras regiões do Brasil e do mundo. Faço questão de voltar à Amazônia pelo menos uma vez por mês.

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