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A Amazônia que não está no mapa

Em projetos que contribuem para a preservação, turista fica em casas de moradores e conhece seu cotidiano

Por Fernanda Fava
Atualização:

Ver de perto um boto-cor-de-rosa, descansar à sombra de uma samaúma gigante e visitar um seringal guiado por parentes de Chico Mendes pode parecer privilégio de quem conhece a floresta como a palma da mão, mas já é algo acessível a quem sonha em descobrir a Amazônia que não aparece nos mapas turísticos. Os projetos de turismo sustentável comunitário contribuem para a preservação ambiental e o desenvolvimento social de localidades muitas vezes remotas – os guias são moradores, que sabem melhor do que ninguém histórias dos rios e animais.

 

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Em 2008, o Ministério do Turismo lançou um edital para financiar projetos de turismo comunitário em todo o País e selecionou os 50 melhores. O valor repassado a cada um deles foi de R$ 150 mil, com prazo de conclusão de 12 a 18 meses. Hoje 42 dessas iniciativas estão em execução e já recebem visitantes. Muitas contam com o apoio de ONGs e universidades.

 

Coordenadora de Projetos Estruturantes do ministério, Kátia Silva afirma que são as próprias comunidades que administram o negócio e, muitas vezes, negociam com agências de turismo. “O ministério dá as normas de segurança e de manipulação de alimentos, mas eles mesmos decidem se o roteiro é viável, fazem cursos de capacitação, pensam em meios de melhorar os produtos oferecidos”, afirma.

 

Segundo Kátia, quem procura esses destinos são geralmente pessoas de 20 a 40 anos, com renda elevada e alto grau de escolaridade. “A maioria tem um engajamento com causas socioambientais, se preocupa em consumir produtos menos agressivos ao meio ambiente, conhece as bases do comércio justo e quer viajar sem causar impacto.”

 

Na Amazônia, a ideia é dormir e comer com os locais, trocar o carro pelo barco, esquecer o celular e prestar atenção ao som dos pássaros e das árvores. “Na Amazônia eu me senti mais brasileira do que nunca e feliz por fazer parte dessa história, desse lugar”, diz a jornalista carioca Tetê Oliveira, que passou três meses viajando pela região em 2006.

 

Mamirauá

A universitária paulistana Amanda Ribeiro, de 22 anos, conheceu a reserva de Mamirauá (AM) no carnaval passado, com o irmão e o pai. “Sempre quis ir para a Amazônia e meu pai gosta muito de natureza. Pesquisamos roteiros, mas eram superturísticos, agressivos ao ambiente. Queríamos um lugar pequeno e pouco divulgado.”

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A família escolheu a pousada Uacari, administrada pelas comunidades da reserva de Mamirauá, a mais de 500 quilômetros de Manaus. Lá é possível fazer trilhas e passeios de barco para ver jacarés, piranhas, botos e, com alguma sorte, o uacari, macaco branco de face avermelhada que só existe na região. Os turistas assistem a palestras com pesquisadores e a documentários para aprender sobre a fauna e a flora da floresta e projetos de conservação. “Foi a melhor viagem que já fizemos, traz uma paz muito grande caminhar por lá.”

 

Para os moradores, a atividade turística representa a possibilidade de mudar de vida. “Antes não tínhamos renda de nada. Vivíamos numa casa de palha e entrava água toda vez que chovia. Hoje, com meu trabalho, consegui construir uma casa de madeira”, diz Ednelza Martins, de 38 anos, que começou como auxiliar de cozinha e hoje é gerente da pousada Uacari.

 

Vila do Pesqueiro

Funcionário de uma ONG de São Paulo, Bruno Andreoni, de 27, gostou tanto de sua viagem à Vila do Pesqueiro, na Ilha do Marajó, a quase 100 km de Belém do Pará, que voltou duas vezes. Como os outros turistas, hospedou-se na casa de moradores. Entre as lembranças marcantes, está a aula de pescaria com o seu Catita (foto). A pesca é sustentável. Seu Catita só retira peixes para a alimentação da sua família. “Ele me convidou para comer peixe na casa dele. Conheci sua família e suas histórias.”

 

Em 2007, a dona da agência Turismo Consciente, Maria Teresa Junqueira, percebeu a vocação do local e criou, com a comunidade, o projeto Viagem Encontrando Marajó, um dos 50 selecionados pelo edital do Ministério do Turismo. “Comecei levando meus amigos e logo me dei conta de que a ideia poderia dar certo”, conta.

 

Na vila o visitante pode acompanhar a extração artesanal do óleo de andiroba e o manejo sustentável do caranguejo, assistir às apresentações de carimbó, dança típica da região, e provar delícias como o queijo de búfala marajoara e o camusquim, feito com macarrão e camarões frescos.

 

Tapajós

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A professora mineira Suzana Burnier, de 54 anos, aproveitou as férias de julho de 2009 para realizar, com o filho, o sonho de conhecer a Amazônia. “Entrei num site de mochileiros, descobri o projeto Saúde e Alegria e gostei da possibilidade de poder passear pela região e ainda contribuir com o desenvolvimento comunitário.” O Saúde e Alegria é uma ONG que atua em projetos de educação, saúde e saneamento nas comunidades do Rio Tapajós, próximo a Santarém (PA).

 

Agora, a entidade aposta também no turismo. O roteiro inclui trilhas na mata, passeios de canoa e banho de igarapé. Dá até para avistar um ou outro tamanduá-bandeira e o pirarucu, peixe que pode medir 2 metros de comprimento. Combinando com antecedência, o turista pode conhecer como funcionam na prática os projetos de manejo sustentável da madeira na Floresta Nacional do Tapajós.

 

“Turistas que vêm de longe e pagam para apreciar a natureza estimulam as pessoas a entender o valor de uma árvore, da manter uma praia. É um instrumento de educação ambiental”, diz o coordenador do Programa de Ecoturismo da ONG, Davide Pompermaier.

 

Seringal Cachoeira

Faz apenas dois anos que o turismo sustentável passou a ser desenvolvido, com incentivos do governo do Acre, na região do Seringal Cachoeira, que fica na Reserva Extrativista Chico Mendes, a quase 200 km de Rio Branco. Em 2007, o lugar ganhou uma pousada ecológica, administrada pelos parentes de Chico, o líder seringueiro assassinado em 1988.

 

Hoje, o turista pode conhecer a história e o processo de extração da borracha acompanhado por Nilson Mendes, primo de Chico, ou caminhar na mata com um guia que conhece as plantas medicinais e sabe imitar o som dos pássaros. “Se está ventando, eles levam você com capacete de obra, porque, se uma castanha de 6 quilos cai do alto das árvores na sua cabeça, já era”, brinca o francês Jean-Claude Razel, de 44 anos, que trabalha com ecoturismo no Brasil há 13 e visitou o Seringal há duas semanas.

 

Uatumã

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O turismo sustentável também é a aposta mais recente da ONG Fundação Amazônia Sustentável (FAS) nas reservas do Uatumã e do Rio Negro, a 300 km de Manaus. As duas unidades fazem parte do programa Bolsa Floresta da FAS, que combate o desmatamento e defende a exploração sustentável da madeira.

 

“A atividade turística ajuda a diminuir a pesca desordenada e o desmatamento. A possibilidade de obter uma renda do turismo incentiva os moradores a abandonarem atividades ilegais”, diz o diretor da FAS, Virgílio Viana.

 

A principal atração do Uatumã é a pesca esportiva, principalmente do tucunaré. No Rio Negro, os pontos altos são a observação de botos-cor-de-rosa e os passeios de canoa pela mata de igapó.

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