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Porque nosso planeta é um só

Um é pouco. Quinze é demais!

Por Giovana Girardi
Atualização:

 

Publiquei na edição de hoje no jornal uma matéria sobre a descrição, de uma tacada só, de 15 novas espécies de aves na Amazônia. O texto original pode ser visto no portal, mas aqui queria trazer não só mais informações sobre as descobertas como também sobre o trabalho dos pesquisadores.

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O compilado é resultado do trabalho de quatro grandes grupos de cientistas, do Brasil e do exterior, trabalhando ora separadamente, ora em parceria, que há anos escarafuncham a floresta atrás de aves. Em vários casos, são os primeiros pesquisadores a chegar a locais nunca antes estudados.

Para quem trabalha na Amazônia - por seu tamanho, sua rica biodiversidade, e a existência de áreas ainda desconhecidas da ciência -, não é incomum sair de uma expedição com a descoberta de um punhado de novas espécies. Até por isso, os ornitólogos deste trabalho tinham a percepção de que teria mais impacto descrever em um só lugar, ao mesmo tempo, as várias aves.

Por outro lado, aves são o grupo de vertebrados mais conhecido em todo o mundo. "Como elas em geral funcionam no mesmo horário que a gente, cantam, são coloridas, são muito fáceis de detectar. Hoje em todo mundo já é meio raro encontrar novas espécies. Mas só na Amazônia brasileira descrevemos 15 de uma vez só. Dá para projetar o quanto tem de desconhecimento nos outros grupos", afirma Luís Fábio Silveira, pesquisador do Museu de Zoologia da USP. Além de seu grupo, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Museu Paraense Emílio Goeldi e da Universidade Estadual da Louisiana participaram do trabalho.

Silveira e uma equipe do museu trabalham já há quatro anos no interflúvio (região entre rios) do Arapuanã com o Roosevelt, no sul do Estado do Amazonas, próximo à fronteira com Rondônia. É a primeira vez que o local recebe uma expedição científica e só ali foram encontradas cinco das espécies descritas agora - e todas são endêmicas. Ou seja, não ocorrem em nenhum outro local.

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Além desse caráter de alerta, a publicação conjunta aproveitou também para fazer homenagens a pessoas ligadas à conservação da floresta, como o líder seringueiro Chico Mendes, que emprestou o nome a um passarinho encontrado nos campos amazônicos - o poiaeiro-de-chicomendes (Zimmerius chicomendesi).

"Para mim, essa espécie é a nossa joiazinha. Ela não é colorida, é pequena, não chama muita atenção, mas ela é o que chamamos de especialista de habitat, depende especificamente daquela vegetação", conta.

Para o ornitólogo Mário Cohn-Haft, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, sua "joia" neste trabalho é uma espécie de gralha que ele avistou pela primeira vez em 2002. Ela ganhou o nome de cancão-da-campina, ou Cyanocorax hafferi.

Mas por que levou mais de dez anos para descrevê-la?, pergunto eu. A explicação é justamente o impulso que levou ao esforço conjunto de tantos pesquisadores agora.

Na época em que avistou a nova gralha - "visivelmente algo muito diferente do que já tinha visto antes" - ele já acumulava uma meia dúzia de novas espécies identificadas, porém sem ter publicado sua descrição em uma revista científica.

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"Estava dirigindo, indo para o campo e me castigando mentalmente. Pensava: 'por que não estou publicando nada?' Achava que estava com uma dificuldade de decidir qual deveria sair primeiro, mas isso não era realmente um bom motivo. Era só publicar uma, depois a outra, a outra. Mas aí me caiu a ficha. Uma por uma fica abaixo do radar. Não vira notícia. Ninguém percebe o grande quadro, que é: estamos em um momento muito especial na Amazônia, uma fase explosiva de descobertas", diz.

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Daí surgiu a ideia de convocar os colegas, juntar os esforços, bater um recorde de divulgação de novas espécies de uma só vez e "soltar um recado para a população" - de que a Amazônia ainda tem muita coisa nova, mas está ameaçada de perder isso antes mesmo que se descubra o que há lá.

O próprio Mario acabou sendo homenageado nessa brincadeira. Um novo passarinho foi descoberto em um gênero que ele tinha estudado amplamente durante o seu doutorado. Na hora de batizá-lo, os colegas não tiveram dúvida: Hemitriccus cohnhafti, ou acre tody-tyrant, sem tradução para o português. "O mais engraçado é que eu mesmo nunca vi essa espécie. Não sabia de nada. Foi uma surpresa."

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