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Governo propõe lei para frear desmonte do licenciamento ambiental

Proposta de lei geral do licenciamento, capitaneada pelo ministro Sarney Filho, prevê agilizar o processo hoje alvo de críticas sem diminuir a proteção ao ambiental

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Por Giovana Girardi
Atualização:

Diante de pelo menos 14 projetos de lei que tramitam no Congresso para simplificar o licenciamento ambiental e que, em última instância, acabam desmontando a lei ambiental no Brasil, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, decidiu apresentar uma proposta do próprio governo federal para a criação de uma lei geral de licenciamento. Em entrevista ao Estado, ele explicou que a ideia é desburocratizar o processo sem reduzir a proteção ao ambiente.

O ministro Sarney Filho quer proposta de lei geral do licenciamento ambiental em dez dias. Ed Ferreira / Estadão Foto: Estadão

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Entre os pontos que devem constar do projeto, ele disse que quer criar prazos para que o órgão ambiental se manifeste sobre um determinado pedido, com risco de punição se o prazo não for cumprido, e que os termos dos estudos de impacto ambiental vão se dar conforme a localização do empreendimento e seu tamanho.

Disse ainda que pretende criar a figura da validação ambiental estratégica. "Isso deve ser entendido como um conjunto de atividades que preveem, mensuram e qualificam a amplitude do impacto ambiental. Por exemplo, um projeto de hidrelétrica vai ter de fazer estudo não só sobre ela, mas qual é o impacto que ela vai trazer em toda a bacia. Daí já vai ser possível dizer: aqui não pode construir hidrelétrica. Aí não se perde dez anos fazendo o estudo, gastando dinheiro com consultor. Já fica sabendo de antemão se pode ou se não pode."

Passado pouco mais de um mês do cargo, quais o senhor considera que são os principais desafios da gestão ambiental hoje no Brasil? O nosso grande problema é em relação ao licenciamento ambiental, que se agrava porque tem muitas propostas de modificação do licenciamento no Congresso. E a maioria deles, segundo o meu entendimento, não vão ao encontro da sustentabilidade. Pelo contrário, elas são um retrocesso em relação ao arcabouço jurídico que existe hoje.

Qual é o plano do senhor para evitar isso? Já determinei que se fizesse uma discussão em torno de uma proposta de uma lei geral de licenciamento, que não temos hoje, para desburocratizar o processo de licenciamento, tentar dar rapidez às deliberações dentro do processo, transparências absoluta em todas as etapas, com didatismo. Não é só colocar uma lista de documentos requeridos na Internet, mas para permitir que a população que será atingida direta ou indiretamente possa acompanhar o processo. Também vamos corrigir algumas distorções. Por exemplo, não se pode exigir de um posto de gasolina o mesmo que exige de uma refinaria. Ou de um proprietário que cria 50 porcos o mesmo de um que cria 500. Vamos tentar simplificar o licenciamento de maneira geral. Em alguns casos vamos fazer dispensa do licenciamento, como para pequenas atividades para as quais não tem sentido fazer uma série de exigências como se faz hoje. Temos de graduar, mas não vamos isentar nenhum segmento, nenhum setor, do licenciamento. O que vamos ver é por impacto, por tamanho. Estamos conversando com Ministério Público, com Ministério da Agricultura, com CNI (Confederação Nacional da Indústria), com alguns deputados da frente ambientalista, da agropecuária.

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Quando o sr. pretende apresentar o projeto ao Congresso? Amanhã (quinta-feira) já levo para o Ministério da Agricultura um arcabouço de projeto de lei para ele poder opinar. Fechamos nesta manhã a proposta depois de ouvir vários setores. Agora vamos para as últimas conversas. A estrutura já está pronta, mas ainda não é uma proposta definitiva. Na semana que vem escuto outros segmentos interessados e acredito que no máximo em dez dias já estaremos com a proposta final. Mas não vamos atrás da unanimidade, vamos tentar buscar o consenso possível.

O que o sr. já pode adiantar sobre a proposta? Na definição do processo e da exigibilidade do EIA-Rima (estudo de impacto ambiental), vamos ponderar aspectos locacionais. Empreendimentos do mesmo tipo têm impactos distintos se são feitos na grande São Paulo ou na Amazônia. Reforço da autonomia dos órgãos licenciadores. A maioria das licenças hoje é feita pelos Estados. Vamos reforçar isso. Fixação de prazos máximos para o processo de licenciamento sem decurso de prazo. Vamos dar um prazo para que seja estabelecida uma resposta. E se esse prazo não for cumprido, vamos responsabilizar os agentes que responderem por isso. Com isso esperamos que eles vão ter muita disposição para trabalhar dentro do prazo. Mas se não cumprir o prazo, não quer dizer o licenciamento seja automaticamente aprovado ou que essa etapa do licenciamento não precise ser cumprida. Tem de ser cumprida. Mas o agente sofrerá consequências administrativas. Hoje há muitas queixas sobre a demora do órgão licenciador. O empreendedor entrega um documento e fica um ano, dois sem resposta, então é para dizer: você, técnico, tem três meses para dar resposta, se não der, sofrerá alguma punição, mas ainda não está está claro qual. O que está claro que é que não haverá licença por decurso de prazo.

Como agilizar o licenciamento sem retroceder na proteção? Essa definição do EIA conforme o local é o principal ponto. Em geral essa variação não é considerado. Em geral estudos desnecessários são requisitados, acabam sendo morosos, e a ideia é acabar com isso. Uma coisa é fazer num lugar onde haverá um impacto forte à biodiversidade, outra coisa é fazer em ambiente urbano. E mais fundamental é graduar as exigências da licença conforme o impacto e o tamanho do empreendimento. Outra coisa é a instituição da avaliação ambiental estratégica. Isso é uma novidade. Deve ser entendida como um conjunto de atividades que preveem, mensuram, qualificam a amplitude do impacto ambiental. Por exemplo, um projeto de hidrelétrica vai ter de fazer estudo não só sobre ela, mas qual é o impacto que ela vai trazer em toda a bacia. Esse estudo estratégico é fundamental porque pode desde já dizer: aqui não pode construir hidrelétrica. Aí não perde dez anos fazendo o estudo, gastando dinheiro com consultor. Já fica sabendo de antemão se pode ou se não pode. Por fim tem a questão da transparência, da disponibilidade dos dados. Tem dupla função. Além de permitir o controle social sobre o licenciamento, as pessoas vão poder ver, acompanhar, os dados também ficam à disposição do poder público, para que o Ministério Público possa acompanhar. E se tiver dúvida, na hora já pode acionar.

E como estão as ações do Ministério do Meio Ambiente em outras searas? A ordem do governo é que qualquer projeto que venha do Senado seja aprovado até o impeachment. Como o sr. está lidando com projetos como o da senadora Ana Amélia (PP/RS), que flexibiliza a Reserva Legal permitindo o plantio de árvores exóticas? Eu me posiciono contra qualquer retrocesso na legislação ambiental. E não acredito que o governo vá incentivar ou até mesmo sancionar uma lei dessa natureza, que significa retrocesso na questão socioambiental, na questão do clima e nos acordos internacionais que nós assinamos. Nós queremos é mais proteção nas áreas de preservação permanente (APP). A crise hídrica do Sudeste nos dois últimos mostrou a importância que tem a cobertura vegetal para a água. Precisamos de mais cobertura vegetal, de corredores ambientais. Querer mexer na Reserva Legal, no arcabouço do novo Código Florestal para facilitar desmatamento, seja ele qual for, é um retrocesso na legislação.

Falando em Código Florestal, o governo Dilma no final da gestão tinha concordado com a extensão do prazo do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em um ano, até maio do que ano vem, apenas para os pequenos proprietário e agora o presidente interino, Michel Temer estendeu para todo mundo até o final de 2017. Isso também não é um retrocesso? Se os pequenos conseguiram prorrogação, acho que não tinha por que, neste momento, não prorrogar o prazo também para os grandes, porque não é para aliviar responsabilidade daqueles que não se cadastraram. É basicamente porque o CAR teve problemas na validação. Estamos nos dedicando a resolver isso. Mas é um ano só e pronto, não tem mais prorrogação. Pelo menos enquanto eu estiver no ministério, não vai ter nova prorrogação.

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E o sr. acha que fica até o final do ano que vem? Ah, isso você tem de perguntar para Michel Temer.

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Outro projeto polêmico que está tramitando na Câmara é o que libera o carro leve a diesel no Brasil. O sr. acha que esse, se aprovado, também seria brecado pelo Executivo? Olha, eu acho que sim. Isso vai contra o acordo internacional do clima (Acordo de Paris) e vai contra a racionalidade de uma administração moderna, porque isso aí, além de incentivar o consumo de um combustível fóssil, que é o tudo o que não queremos na mudança de economia (para uma economia mais verde), também incentiva o transporte individual em detrimento do transporte coletivo, piorando a poluição do ar e não só as emissões de gases de efeito estufa. Não acho que o governo vai ceder a isso não. Com certeza.

Falando em emissões, também antes da saída de Dilma foi publicado o terceiro inventário nacional de emissões de gases de efeito estufa, que mostrou que a contribuição histórica do Brasil ao problema foi maior. Em 2005, as emissões foram maiores do que as imaginadas antes. E as metas brasileiras (INDC) ao Acordo de Paris foram assumidas com base no valor anterior. O governo pretende rever a INDC? É uma discussão que está em curso no ministério, com outros ministérios, com o Observatório do Clima, mas não ainda não temos uma deliberação sobre isso. É um assunto polêmico, há questionamentos científicos. Não é uma questão simples de decisão. Pessoas importantes questionam a metodologia desse inventário. Vamos ouvir os interessados, talvez se ampliar a discussão, criar uma câmara para isso. Queremos ter segurança científica da coisa. Quero clarificar o que foi apontado pelos técnicos. Temos de ver. Não tenho problema se tiver de rever o próprio inventário. Quero saber se foi correto.

Proposta tem como base PL aprovado em comissão de meio ambiente A base do projeto do ministro Sarney Filho é um projeto de lei apresentado pelo deputado Ricardo Trípoli (PSDB-SP) no ano passado na comissão de meio ambiente da Câmara. Segundo o ministro, foram incorporadas muitas inovações, mas a base é essa. "Mantém a filosofia fundamental que é dar eficiência, desburocratizar, mas ao mesmo tempo não flexibilizar as exigências socioambientais", disse.

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