MARRAKESH - A gestão Obama, que foi peça-chave na assinatura do Acordo de Paris e para que ele entrasse em vigor no último dia 4, tentou nesta segunda-feira (14) conter um pouco o pessimismo que se abateu sobre as negociações climáticas em relação ao futuro do acordo com o comando dos Estados Unidos nas mãos de Donald Trump.
Em entrevista coletiva à imprensa na 22.ª Conferência do Clima (COP22), que está sendo realizada em Marrakesh (Marrocos), o negociador-chefe dos EUA, Jonathan Pershing, disse esperar que o "momentum" criado com o Acordo de Paris de algum modo seja capaz de evitar o abandono total do país aos compromissos firmados.
Segundo ele, nas próximas semanas deve chegar, ao Departamento de Estado, a equipe que vai fazer a transição na política diplomática. "Neste momento eu não tenho informação sobre quando esse processo vai começar ou quem vai ter um papel nele. E não posso falar pela equipe do presidente eleito ou como vai lidar com a política climática.
O que eu sei, no entanto, é que diante do poder do enorme momentum criado em Paris e construído ao longo do ano, os países estão profundamente comprometidos em ver isso gerar um fruto real", disse.
"Mercados estão se movimentando e os países estão seguindo isso. Preços para energia renovável estão continua e dramaticamente caindo. Bancos e agências financiadores estão fazendo o trabalho para financiar soluções de baixo carbono. Foi necessário um esforço global para chegar ao Acordo de Paris. Chefes de estado podem e vão mudar, mas estou confiante que podemos e vamos sustentar o esforço para lutar contra as mudanças climáticas", afirmou em suas palavras iniciais.
No domingo (13), o secretário de Estado, John Kerry, antes de embarcar da Nova Zelândia para o Marrocos, declarou à agência Reuters que o governo Obama faria o possível para implementar o acordo antes da posse de Trump. "Até 20 de janeiro, quando está administração termina, nós pretendemos fazer tudo o que for possível para cumprir nossa responsabilidade com as gerações futuras para ser capaz de lidar com essa ameaça à vida no planeta."
Pershing afirmou que na quarta-feira o governo vai lançar a estratégia "para sugerir algumas trajetórias que atendem ao objetivo", mas não conseguiu responder como poderá garantir que Trump não desfaça tudo depois.
Os Estados Unidos se comprometeram, junto ao Acordo de Paris, a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 26% a 28% até 2025. A maior parte dessa meta deveria ser cumprida com base na regulação do sistema energético. Mas Trump disse que reveria isso e que voltaria a investir em carvão, o combustível fóssil mais poluente que existe.
"Estamos ansiosos para falar com a equipe de transição. Não sabemos quem eles são, qual é o histórico deles, certamente vamos trabalhar para passar para eles a importância que vemos na questão para eles", afirmou.
Pershing também lembrou que a questão climática está ligada ao desenvolvimento. "Vamos ver mais inundações como a de Lousiana há alguns meses, vemos aumento da probabilidade de uma supertempestade como Sandy, que abateu sobre Nova York, ficar mais significativa e frequente; secas como a que atingiu a Califórnia também parecem ficar cada vez mais frequentes. É uma questão sobre os danos em todo nosso sistema. E em como coletivamente podemos tomar os próximos passos. Isso vai ser imperativo a todos nós."
Impacto em outros países. Pershing tentou minimizar o impacto que a saída dos EUA pode ter sobre as ações dos outros países. Questionado sobre como ficariam as relações com a China, com quem Obama fez pronunciamentos conjuntos de redução de emissões, o enviado especial declarou que eles não devem parar. "É claro que eles vão continuar em frente, porque é do interesse deles na sua trajetória de desenvolvimento. Ouvi o mesmo dos europeus, dos brasileiros, do Canadá e de países menores, como Costa Rica e Colômbia. Não acho que uma mudança dos Estados Unidos vai afetar o caminho do desenvolvimento."
O assunto continuou no centro das discussões na COP22 no início de sua segunda semana. A União Europeia enviou uma mensagem para Trump afirmando que os EUA correm o risco de enfrentar uma reação de outros países se ele de fator tirar o país do Acordo de Paris.
"Estamos enviando aos americanos a mensagem de que é do interesse dos EUA adotar políticas de energia limpa e ambiciosas políticas contra as mudança climática", afirmou à imprensa Miguel Arias Cañete, comissário de energia e clima da UE. Mais cedo, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, que busca nomeação para as eleições no ano que vem, sugeriu que a Europa imponha um imposto sobre o carbono nos produtos importados dos Estados Unidos se o país sair do acordo.
Na semana que passou, muitos negociadores dentro da COP tentaram diminuir o pessimismo, imaginando que talvez o Trump presidente aja de modo diferente do Trump candidato. Mas no final de semana, a agência de notícias Reuters divulgou informações de um membro do comitê de transição de Trump, que falou em condições de anonimato, que o futuro presidente estuda como fazer isso da forma mais rápida possível.
Depois de eleito, Trump também sinalizou que colocaria um outro conhecido negacionista das mudanças climáticas, Myron Ebell, para fazer a transição na Agência de Proteção Ambiental (EPA), órgão que hoje está por trás do controle americano de emissões.
O país é hoje o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Segundo estudo divulgado nesta segunda, o "Global Carbon Budget" (orçamento global de carbono), os EUA respondem por 15% das emissões mundiais provenientes de queima de combustíveis fósseis e processos industriais (sem contar mudança da terra, como desmatamento).
Mas têm tido uma queda de emissões nos últimos anos. Só no ano passado 2015, a queda foi de 2,5%, segundo o relatório, principalmente porque o gás natural ficou mais competitivo. Apesar de ser um combustível fóssil - ou seja, também emite dióxido de carbono (CO?), o principal gás de efeito estufa -, ele é menos poluente que o carvão.
Vantagem econômica. Para um dos coordenadores do trabalho, os benefícios econômicos da transição para uma energia mais limpa e a competição com a China, que está liderando hoje esse processo, talvez possam falar mais alto para Trump.
"Apesar do que está acontecendo nos Estados Unidos agora, sou um pouco mais otimista do que muitos. O que está fazendo as emissões caírem nos EUA é primeiramente o declínio no uso de carvão, porque o gás natural está mais barato, mais competitivo. Muitos estados republicanos também têm dado um forte apoio a energia solar, eólica, e espero que muito disso continue", disse Glen Peters, pesquisador do Centro Internacional de Pesquisa em Clima e Ambiente de Oslo e co-autor do Global Carbon Budget, quando questionado sobre o que pode acontecer com os limites de emissões se os EUA pularem mesmo fora do acordo.
"Eu acho que vai ser muito difícil para Trump fazer algo para tornar o carvão de repente mais competitivo. Isso nos deixa um pouco otimista. E lembrando que os Estados Unidos respondem hoje por 15% das emissões mundiais. O resto do mundo, por 85%. Então, acho que o resto do mundo pode fazer muito mais mesmo se os Estados Unidos ficarem um pouco mais lentos nesse período", complementou.
* A repórter viajou para Marrakesh a convite do Instituto Clima e Sociedade