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Brasil 'causa' no final da conferência do clima em Marrakesh

Delegação brasileira foi acusada de estar 'causando' no fechamento da cúpula da ONU para implementar o Acordo de Paris, mas acabou destravando tema que pode abrir o caminho para ajudar a aumentar ambição das metas dos países para o combate ao aquecimento do planeta

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Por Giovana Girardi
Atualização:

MARRAKESH - Eram cerca de 23h (horário local) quando a plenária de negociadores que iria concluir os trabalhos de duas semanas da Conferência do Clima da ONU em Marrakesh voltou a se reunir.

A delegação brasileira se movimentava agitada, debatendo enfaticamente junto a mesa diretora, onde estavam o presidente da conferência, o ministro de Relações Exteriores do Marrocos, Salaheddine Mezouar, e a secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, Patricia Espinosa. A imprensa brasileira presente no evento ouviu ao longo do dia que o Brasil estava "causando".

Embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho é o chefe dos negociadores brasileiros Foto: Estadão

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A cúpula tinha o objetivo de iniciar o processo de implementação do Acordo de Paris, que entrou em vigor no último dia 4 muito antes de ser definido exatamente como ele vai funcionar. Assim como ocorrem com leis, que precisam ser regulamentadas, o acordo também tem de ser, e alguns assuntos previstos no texto estavam sendo deixados de lado na definição de como vai se dar esse processo de implementação.

Para o Brasil, que liderava uma posição de países como Estados Unidos, União Europeia, países africanos e países-ilhas, uma questão importante era não deixar de fora uma discussão sobre tempos comuns das metas de cada país.

Antes de irem a Paris, as nações que fazem parte da Convenção do Clima foram convidadas a apresentar suas contribuições nacionais - quanto podem internamente fazer para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Cada um fez isso de um jeito, com prazos diferentes para suas metas. O Brasil e os EUA, por exemplo, colocaram metas de redução já para 2025, outros países só para 2030. Para o Brasil, é interessante que haja revisão a cada cinco anos.

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Para fins de comparação e também para aumento de ambição, é importante que todos estejam nos mesmos termos. Mas é preciso, antes, debater quais vão ser esses termos, ou, no jargão diplomático, os tais "tempos comuns". O Acordo de Paris previa que isso deveria ser feito já na primeira reunião após sua entrada em vigor, mas a questão tinha sido deixada meio de lado.

É possível dizer que é apenas uma "tecnicalidade", um debate quase maçante para qualquer pessoa "normal" que não esteja absolutamente enfronhada nessas negociações. Verdade. Ali dentro, porém, é o que define se alguma coisa vai para frente ou não. E os arranjos são acalorados.

Já na hora que parecia estar resolvida a questão - acomodou-se o tema em um grupo de discussões -, e Mezouar bateu o martelo do "então está decidido", a Bolívia pediu a palavra. Não concordava que houvesse um avanço nesse ponto específico, mas não em outros. Índia apoiou. Brasil voltou a pedir mais cinco minutos para tentar chegar a um consenso.

Quase trinta se passaram. Ao voltar à mesa, Mezouar decretou que não havia consenso. Brasil voltou a apelar por mais uma tentativa. O negociador Felipe Ferreira pediu "humildemente" que houvesse mais cinco minutos para negociar. O Brasil chamou a Índia de lado, invocando a união do Basic - grupo que reúne Brasil, África do Sul, China e Índia e que costuma negociar junto. Deu certo, Índia capitulou e Bolívia não insistiu mais.

Após a decisão, o embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, chefe dos negociadores brasileiros, saiu da sala para fumar. A reportagem o encontrou sozinho sob o frio noturno típico de deserto do Marrocos. Ele estava visivelmente aliviado, e, enquanto contava o que tinha acabado de acontecer, ia sendo cumprimentado pelos delegados dos mais variados países que começavam a ir embora. Alguns mais efusivos, como um italiano, outros mais reverentes, como um japonês. Todos agradecendo o trabalho.

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Não é a primeira vez que o Brasil destrava uma situação como essa, apesar de num primeiro momento parecer que o País estava é travando a negociação. Esse papel da diplomacia nacional é bem conhecido nas conferências do clima, mas é bem interessante de ver em ação.

Aida mais em uma conferência que era para ser a conferência da ação, mas, na prática, foi só o primeiro passo para criar os caminhos de como de fato vai ser essa ação.

* A repórter viajou a Marrakesh a convite do Instituto Clima e Sociedade

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